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Como viver a existência que Deus sonhou para nós? Gálatas 3.1-13


 Quem não quer viver bem a vida? Quem não deseja se relacionar com a existência de uma maneira que só possa ser traduzida como feliz? Para se realizar esse desiderato é indispensável que se tenha em conta, que se estabeleça como vetores diretivos a vontade de Deus. Ou seja, não há verdadeira felicidade a revelia da presença e querer divino, visto ser ele a fonte genuína da felicidade humana. Mas como vivermos a vida que Deus sonhou, desejou após a fatídica experiência da queda, levando em consideração que ela desarmonizou e comprometeu os fundamentos essências para a realização desse tão caro projeto?

       Bem, Paulo ao meu sentir nessa porção de sua carta aos gálatas responde com louvor as indagações tão custosas que temos feito acima, ao bem da verdade é preciso consignar que o apóstolo da cruz trata tal tema consequencialmente sem nem uma pretensão de aprofundar a matéria de fundo. O coração e cabeça da mensagem é sem dúvida a justiça de Deus que apreendida pela fé, sem obras ou méritos humanos supera as desastrosas imposições da maldição do pecado. Porém, ao desenvolver tal exposição Paulo nos apresenta, mesmo sem tal intenção prima faciens, os sinalizadores para se viver uma vida que glorifique a Deus em nossa caminhada existencial. Quais são estes princípios de um bem viver segundo as exigências e determinações do Eterno?

1.            Reconheça a real matriz do problema de sua existência (vs – 10,12)

        Segundo Paulo é vital identificar qual de fato é o cerne dos problemas humanos. Para muitos a crise que se abate de maneira densa sobre os indivíduos tem um vetor social,  psicológico ou ainda econômico. De maneira que sua solução se dá por meios dessas categorias.
        Entretanto, para o apóstolo dos gentios o núcleo do drama humano supera essas linhas fronteiriças estabelecidas pela horizontalidade existencial encontrando sua resposta correta na verticalidade da existência mediante o confronto do todo de sua vida com os critérios e padrões de Deus, isto é, sua lei moral (Êx 20.1-17) interpretada e aplicada por Cristo (Mt 5.21-48).

        De modo que, nossos problemas são resultados da ação retaliatória de Deus contra nossas escolhas suicidas, ou seja, aquelas que se chocam violentamente contra a sua santidade. Isso se dá na medida em que praticamos um estelionato existencial ao propormos um caminho de vida a partir de bases meritórias, mas que incoerentemente não conseguimos verdadeiramente trilhá-lo como graficamente expõe Paulo ao denunciar sem reservas a hipocrisia nojenta dos judeus na sua prática de condenar os pecados na vida dos gentios que ocultamente realizavam: 21 tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas?  22 Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes? Abominas os ídolos e lhes roubas os templos?  23 Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?  24 Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa. (Rm 2.21-24). Essas retaliações são designadas de maldições (ta’alah, qelelah, katáren). Moises deixa mais que claro essa correspondência entre as desventuras humanas e a execução penal, o jus puniendi divino, primeiro em Genesis 3 como consequência do pecado primeiro (Gn 3.17) e em Deuteronômio 28. 14-15 quando um catálogo de maldições é apresentado como consequência da violação do pacto: 14 Não te desviarás de todas as palavras que hoje te ordeno, nem para a direita nem para a esquerda, seguindo outros deuses, para os servires.  15 Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do SENHOR, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão. Para o teólogo Warren Wiersben é absolutamente contraditório e insensato perde de vista a mão de Deus em meio à experimentação de adversidades e catástrofes, assim se expressa ele: “Quando viesse às calamidades, Deus queria que o povo reconhecesse a mão do senhor e que não pensasse que se tratava de uma serie de coincidências”.

        De fato, não são coincidências, acaso, mas com certeza variações do juízo divino sobre nossos desvios de rota, de prioridades, de relacionamentos, enfim.

            Desta forma a felicidade e benção é a inversão da polaridade desse processo no sentido em que reconhecemos, identificamos a raiz de nossos problemas como além da sua apresentação objetiva e histórica, ou seja, o problema tópico ( a infidelidade conjugal, a injustiça com o outro, a violência conjugal gratuita e dolosa, a avareza, o destempero emocional...) e aprofundamos a matéria para os motivadores e determinantes formativos desses problemas que se encontram no desvão ético do coração em relação ao padrão existencial fornecido pela vontade revelada de Deus (Rm 1.18-32).

2.            Experimente a presença de Deus por meio da fé (vs – 5-6)
        Logo após o reconhecimento de que nossos problemas estão além de sua realidade presencial se relacionando diretamente com o padrão moral e éticoespiritual imposto por Deus é necessários que quem quer viver uma vida que lhe agrade busque com sofreguidão sua bendita e benfazeja presença. Para o apóstolo Paulo a vida que agrada e realiza os sonhos criativos de Deus é aquela que está cheia do desejo de plenitude dele.
        Como essa presença pode ser sentida e vivenciada pelo homem? Na maneira de enxerga a questão Paulo propõe o caminho da fé em Cristo como o messias esperado. Tal descrição encontra paralelos admiráveis na história do patriarca Abraão que ao enviar seu servo para achar a mulher ideal para seu filho avisa ao temeroso servo que o Deus que ele andava sempre(־הִתְהַלַּ֣כְתִּי  verbo hithpael perfeito) na presença (לְפָנָ֗יו ) iria conduzi-lo a bom termo e completo sucesso:   40 Ele me disse: O SENHOR, em cuja presença eu ando, enviará contigo o seu Anjo e levará a bom termo a tua jornada, para que, da minha família e da casa de meu pai, tomes esposa para meu filho.  (Gn 24.40). William Barclay assina-la que a única via de acesso à bem-aventurada presença de Deus é a fé que resulte em completa rendição: “O único caminho para uma correta relação com Deus e, portanto, o único caminho para conseguir a paz é o da fé, o da aceitação, o da entrega”. É essa fé (pistos, pistis) que atrai como um poderoso magneto a benção existencial. Como pedagogicamente destacou Lutero essa benção nunca poderia ser fruto das obras ou mérito, mas um influxo da fé salvadora instalada na interioridade por meio da regeneração: “A benção de Deus é dada sem ter em vista a lei e as obras” (Martinho Lutero).

        No meu ver essa é a síntese perfeita do que o Novo Testamento apresenta como vida espiritualmente amadurecida, pois, a maturidade não está vinculada aos aspectos meramente cognitivos da crença, mas, sobretudo, nos processo do viver com sabedoria a existência como fruto da internalização da palavra de Deus pela instrumentalidade do Espírito Santo (Ruach L’Qadosh), assim afirmou Paul Tripp: “Maturidade espiritual não é meramente o que você faz com sua mente, mas tem haver como você vive a sua vida”. É como vivemos que sinaliza o quanto da presença de Deus possuímos. É nosso comportamento, em certa medida, que vai julgar a validade e eficácia ou não da nossa fé.

3. Experimente os efeitos do resgate realizados por Jesus por meio de uma entrega inteira de si (vs – 13-14)
        A busca pela presença de Deus redireciona o pecador para a experiência de fé com os desdobramentos concretos do resgate produzido pela expiação, sacrifício de Jesus na redenção. Paulo sublinha tal verdade quando afirma que na cruz Jesus estava realizando um resgate dos efeitos e consequências da quebra da lei moral de Deus inscrita em nossa alma: 14 Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos.  15 Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, (Rm 2.14-15).

        Dai que apenas a partir dessa intervenção substituta e sacrificial levada a efeito por Jesus que a benção da aliança, (que Paulo por meio de uma metonímia denomina – benção de Abraão numa clara alusão ao pacto firmado com o patriarca) tão vital para nossa felicidade existencial pode chegar até nós, visto que nossa pecaminosidade faz um verdadeiro bloqueio e obstrução à degustação dessa benção, colho as achegas do reformador Martinho Lutero: “Ele [Cristo] acolheu a nós pecadores miseráveis e perdidos, tomou sobre si e carregou todos os nossos males que deveriam oprimir e atormentar-nos eternamente”.

        Pedro lança densos feixes de compreensão da natureza mais perceptível desse resgate em sua carta: 18 sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram,  19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,  (1 Pe 1.18-19). Segundo o apóstolo o resgate que Cristo possibilitou no Calvário é dos efeitos espirituais de nossos comportamentos, muitos deles resultados dos valores absorvidos pela cultura familiar e porque não dizer social e étnica. Sem tal resgate definitivo (ἐξηγόρασεν) o projeto de viver uma vida que alegre a Deus não passa de devaneio e engodo.


        Qual a conclusão que chegamos nesse ponto de nossa caminhada literária? Que não há como se viver uma vida que glorifique a Deus sem relacionamento pessoal e salvador com Jesus. Sinceramente é impossível ser feliz no sentido mais amplo, eterno e profundo que a felicidade possa significar sem reconhecimento da origem espiritual de nossos dilemas, culpas e erros, não se equivoquem aqui, não há como ser feliz sem estarmos no centro gravitacional da vontade de Deus através dum salto de fé nos braços do mediador, Jesus de Nazaré. Pensem Nisto!!!

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