Cristo como o filho
eterno gerado por Deus/Pai é parte de uma relação divina que foi designada na
tradição teológica cristã de a trindade, ou triunidade divina. Nessa correlação
dentro da ontologia que inclui o Espírito Santo (Ruash L’Qadosh)
todos possuem a essência divina (ousia) distinta em modos de subsistência
ou pessoalidade (personas). Esse entendimento foi bem firmado em um símbolo
confessional antigo, o credo de Atanásio e inserido dentro do Livro de Concórdia,
documento confessional Luterano: E a fé católica consiste em venerar um só
Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem
dividir a substância. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do
Espírito Santo; mas a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só –igual
em glória, coeterna em majestade (Livro de Concórdia, São
Leopoldo, Porto Alegre, Concórdia/Sinodal, 2023). Vemos também essa confissão de
uma visão trinitária de Deus em outro credo confessional, A Fé que professamos:
A palavra “triunidade” não aparece nas Escrituras, mas foi criada para
expressar uma verdade encontrada em toda a Bíblia: a de que Deus subsiste
eternamente m três pessoas distintas e co-iguais. Nós cremos e adoramos um
único Deus em triunidade, sem confundir as pessoas, nem separar a substância (A
Fé que professamos: credo, confissão e declaração de princípios promessistas,
São Paulo, SP, Editora Promessa, 2023).
Dessa maneira, o filho
como membro dessa unidade divina possui toda a plenitude substancial da divindade:
suas perfeições, obras, enfim. Dentro desse universo temos Cristo como o lógos,
a Palavra (Jo 1.1) exercendo uma dessas obras que reivindicam a identidade
divina, que é a criação. Esse papel de criador já é de certa maneira descrito
poeticamente na pessoa do lógos, na personificação
da Sabedoria (chak’mah) como arquiteto da criação (amom)
na tradição teológica do velho testamento: “27 Quando Ele estabeleceu os
céus, lá estava Eu; quando delineou o horizonte sobre a superfície do abismo, 28
quando fixou as nuvens em cima e estabeleceu as fontes do abismo, 29 quando
determinou as fronteiras do mar para que as águas não ultrapassassem seu
ordenamento, quando assinalou as balizas dos alicerces da terra, 30 então, Eu
estava com Ele e cooperei em tudo como seu arquiteto. Dia após dia tenho
sido o seu prazer, sempre me sentindo muito feliz a seu lado.” Grifo
meu, (Pv 8.27-30). Segundo Gary M. Burge: Para os judeus, o logos era a
palavra do Senhor, uma expressão da sabedoria e do poder criativo de Deus (Burge
-2018).
Entretanto, é à luz da tradição hermenêutica
do novo testamento que nós podemos compreender bem melhor o lugar de Cristo na
criação, perceber que no quadro criacional o plural, entendido por muitos como
majestático, por outros uma referência a corte angelical, enfim, era na verdade um diálogo na triunidade divina
no seu ato de criação, portanto, nesse façamos (naashe: primeira
pessoa do plural) estão todas as pessoas divinas, ou seja, esse texto não foi
um acidente , mas uma alusão proposital , teológica a essa relação triunitária (que
vamos ver sendo encontrado em outros lugares: Gn 3.22; 11.7) que mais tarde no
progresso da revelação irá ser melhor descortinada: “26 E Deus disse:—
Façamos o ser humano à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Tenha ele
domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais
domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os animais que rastejam pela
terra. 27 Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou. 28 E Deus os abençoou e lhes disse: — Sejam fecundos,
multipliquem-se, encham a terra e sujeitem-na. Tenham domínio sobre os peixes do
mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
(Gn 1.26-27). Comentando esses versos afirmou Augustus Nicodemus Lopes: Nesses
versículos já temos o princípio, a semente da doutrina de que o Deus de Israel
é uma pluralidade de pessoas. É um único Deus, mas nele temos o Espírito e a
Palavra por meio da qual ele criou todas as coisas. (Lopes – 2022, p.33).
Como afirmei essa condição existencial
divina de Jesus vai ganhando uma formatação mais elucidativa na tradição hermenêutico
teológica do NT, sua atuação preexistente como parte da criação do cosmos vai
ganhando magnitude e papel de relevo. João em sua tradição kerigmática não
apenas salienta abertamente a divindade e preexistência de Jesus como o revela
como participante dessa obra: “3 Por meio dele Deus criou todas as
coisas, e sem ele nada foi criado.” (Jo 1.13). Aqui vê-se claramente a
inclusão de Jesus dentro do âmbito da relação divino ontológica (essência) como
personagem ativo na obra da criacional.
Paulo entra nesse contexto por meio
de sua argucia teológica inspirada pelo santo Espírito estabelecendo Cristo como
não apenas criador do mundo, mas de toda a realidade criada por conta de sua
geração divina de igual substância com o Pai (eikõn
toû theoû): “15 O Filho é a imagem do Deus invisível e é supremo
sobre toda a criação. 16Pois, por meio dele, todas as coisas foram criadas, tanto
nos céus como na terra, todas as coisas que podemos ver e as que não podemos, como
os tronos, reinos, governantes e as autoridades do mundo invisível. Tudo foi
criado por meio dele e para ele. 17Ele existia antes de todas as coisas e
mantém tudo em harmonia.” (Cl 1.15-17). Ainda temos a contribuição, não
menos valiosa do autor de Hebreus que apresenta Jesus como o filho de Deus, que
nessa condição é o caminho executivo da criação em seu ato divino de criar. Por
que isso? Porque ele é a própria manifestação essencial de Deus, ou seja, imagem
exata de Deus (xaraktêr tês hypostáseõs autoû): “1
Antigamente, Deus falou, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, 2 mas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de todas as coisas e pelo qual também fez o universo. 3 O Filho, que é
o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas
as coisas pela sua palavra poderosa, depois de ter feito a purificação dos
pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, 4 tendo-se tornado
tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles.” (Hb
1.1-4). Sobre essa característica divina de Cristo como criador do universo
comentou F.F. Bruce: A palavra significa todo o universo criado de tempo e
espaço, e a afirmação de que Deus trouxe esse universo à existência pela agência
e mediação de seu Filho está em concordância com as afirmações de outros
autores do Novo Testamento (Bruce – 2023, p.41).
Assim, é esse Jesus que servimos
como talmidim, discípulos. A ele servimos como nosso El’Shadday, o Deus Todo-poderoso.
Ele é nosso Salvador, quem nos guarda e nos guia. A ele devemos dirigir nossa
confiança, fé e amor-adorativo. Portanto, adoremos ao nosso Senhor e Redentor.
Amém, Aleluias!!SDG.
Rev. Marcus King Barbosa
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