A redenção se bem compreendia
em seus aspectos estruturantes e dinâmicos deve ser bem melhor discernida como
um drama, a rigor teodrama. Antes de continuarmos é importante elucidar a
afirmação feita, sobretudo, no que tange ao teodrama. O que ele é? O que se
pretende comunicar ao utilizar essa categoria teológica? Teodrama é o falar/agir (tatwort) da trindade em função da desventura
existencial humana a partir das categorias do drama sendo
este um conjunto de atos dramáticos na linha do que afirmou Kevin J. Vanhoozer:
No
coração do cristianismo encontra-se uma série de palavras e atos divinos que
culminam em Jesus Cristo: a divina e definitiva Palavra/Ato. O evangelho –
autodoação de Deus em seu Filho por meio do Espírito – é inerentemente
dramático, uma questão de sinais e discursos, ação e sofrimento (Vanhoozer,
2016, p.34).
Essa convicção é fruto da avaliação do que pensando
teologicamente é a existência, ou seja, um teatro (utilizando-me da metáfora de
Calvino) das interações entre Deus (o personagem central) e o homem criado/caído/redimido,
envolvendo tanto o que Deus disse e fez no mundo, bem como às reações desse
mundo a estas intervenções ou como chamaríamos no teodrama estas entradas.
Neste sentindo o teodrama é teologia da autorrevelação. É
teologia da triunidade transcendente e imanente, afirmando que o Deus trino é uno e que nessa condição dramática ele fala/age
na direção da bancarrota humana para alterar esse terrível e tenebroso quadro.
O Teo–drama envolve todas as categorias que descrevem propriamente o gênero dramático,
mas não qualquer e simplesmente um drama, mas o Drama redentivo (Erlösung Drama),
nesse drama estão presentes todos os elementos que o caracteriza: personagens,
enredo, entradas, roteiros, enfim, para Vanhoozer:
A forma
da teologia é dramática, pois, diz respeito à resposta a uma palavra dirigida
por Deus a leitores humanos e também diz respeito à resposta do povo. Embora o
Deus trino e uno seja não só voz e ator principal, ao povo de Deus foram dados
privilégios e a responsabilidade não só de pensar os pensamentos de Deus em
conformidade com ele, mas também de falar as palavras de Deus e atuar os atos
de Deus segundo ele. A tarefa da teologia é capacitar ouvintes e praticantes do
evangelho a responder e corresponder à Palavra e Ato prévios de Deus e, assim,
serem levados à ação (Vanhoozer, 2016, p.34).
Exatamente por ser um drama, o ato do personagem
principal, não está adstrito apenas ao falar vai muito além é um verdadeiro protagonizar,
Deus é protagonista no seu enredo. De igual sorte os outros personagens, não
são meros coadjuvantes, não são audiência passiva, mas atores dinâmicos, ativos
co-protagonistas. O roteiro está pronto, ação...
Promissio
A atuação dramática redentiva de Deus no teodrama se
efetiva por meio de dois atos no roteiro deste Enredo: promissio e missio, ou seja, promessa e missão. Promissio e missio são expedientes do roteirista
no propósito de restaurar a situação comprometedora que a quebra do compromisso
(Gn 2.15;3.1-24) por parte dos viceregentes pactuais – Adão e Eva tornou
realidade no mundo criado, agora carente de resgate (Rm 5.12-19).
O primeiro destes atos no conjunto de medidas
estabelecidas por Deus no concílio da triunidade, também chamado pacto da graça,
foi a promissio, e de fato deveria
ser assim, visto que apenas Deus poderia tanto dar o primeiro passo como
garantir os acordos necessários, no dizer de James I. Packer: Quando Deus
faz uma aliança com suas criaturas, somente ele estabelece seus termos
(Parker, 1999).
Essa promessa ab initio se deu no que convencionou chamar de
protoevangelho (Gn 3.15=Ap 12.9) e é ampliada em uma espiral ascendente
atingindo seu ponto culminante na pessoa de Cristo e sua obra messiânica (Gl 3.1-6).
A promissio veiculada por Deus no arranjo histórico-profético das alianças (b’rit,
diatkêkês) são sua garantia da continuidade histórica das suas
autocomunicções tri-una na vida dos atores da redenção (santificação) no palco
do mundo como comunidade do Ressurreto (igreja) que é a continuidade de seu
ministério como mediador da aliança redentiva (redenção) no teodrama ao mundo
não redimido, sobre essa condição mediadora do ministério de Jesus afirmou
Francis Turretini:
Cristo é chamado o mediador,
diathekes, e o seu sangue, o sangue diathekes, embora a relação testamentária
esteja associada a relação (schesis) federal, não pode e não deve ser excluída,
porque não há propriamente fiadores de testamentos; mas entre partes adversas
se designa um mediador para as conciliar e as unir entre si por meio de um
pacto ( Turretini, 2011, VL – 2, p.217).
Daí
que é essa Promissio a espinha dorsal que sustenta a própria missio da igreja
na qualidade de comunidade portadora históricotemporal da nova vida como comunidade teodramática. Pegando carona
na afirmação é importante deixar mais que claro que essa deve ser a perspectiva
correta quanto a função fundante da Promissio Dei (promessa de Deus) para a
missio da Igreja, se essa pretende ser escritural e genuinamente missional.
MISSIO
A missio Dei é o método divino para efetivar, dar
relevo material para a sua Promissio. Na verdade, a promessa de Deus, encartando
sua missio à igreja são os vetores diretivos sumamente decisivo para que a
comunidade teodramática não promiscua sua missão. A verdade é que a ausência dessa
relação de dependência é a resposta para muita distorção e descaminhos, as
chamadas corrupções das prioridades (Korruption Prioritäten) na Missão, sobre isso
Ronaldo Lidório tem muito a contribuir:
Um dos
maiores perigos existentes no processo de plantar igrejas é defrontar-se com um
cenário onde a missão da Igreja está desassociada da missão de Deus, a Missio
Dei. E isso ocorre quando a Igreja segue sua própria agenda, de plantio ou
crescimento, por motivações próprias e antibíblicas. Não para a glória de Deus,
mas para a glória da igreja. Não para alcançar os perdidos, mas para fortalecer
a denominação. Não para exaltar Jesus, mas para exaltar os seus líderes
(Lidório, 2011, p.37).
Do que foi exposto podemos, por assim dizer, que a missão
da igreja depende da missio Dei, essa missio é aquilo que a Escritura explicita
em seu desiderato redentivo como uma declaração de missões, ao me referir a
declaração de missões estou tratando do ato teodramático do Deus trino que é
uno através e em Jesus, o evangelho não é um bom conselho para os homens,
mas as boas-novas a respeito de Cristo; não é um convite para fazermos algo,
mas é uma declaração do quem Deus fez (Stot, 1995). O desdobramento dessa
afirmação que estabelece uma conexão direta entre promissio/missio Dei e missio da igreja em tal grau e de tal magnitude
que não existe verdadeira missão se a promessa de Deus não for o enredo nuclear.
Não há missio sem
a veiculação em todo o roteiro desse teodrama de todas as promessas da aliança
da graça que tem seu ponto de convergência na obra do Messias, expurgando todo esse
fisiologismo, metodologismo e clientelismo que, infelizmente delineia muito do
que se tem dito ser a evangelização e a missão da igreja na modernidade
liquida, penso que o apóstolo Paulo
tinha em vista exatamente essa natureza cristocentrico subordinadora da missão
como promessa redentiva quando escrevendo aos coríntios em sua segunda epístola
declarou em expressa dicção: 17
E, assim, se alguém está em Cristo, e 'nova criatura; “as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram ‘"novas. 18
Ora, tudo provém de Deus, “'que nos reconciliou consigo mesmo por meio de
Cristo e nos deu o ministério da reconciliacao,19
a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando
aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. 20 De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus
exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos
reconcilieis com Deus. 21
Aquele que não conheceu pecado, 2ele o fez pecado por nós; para que, nele, fossemos
feitos “justiça de Deus. (2 Co
5.17-21). Promissio e missio devem jurisdicionar com pleno efeito vinculante a
reflexão teológica e a tarefa missionária da igreja de Cristo (Mt 28.16-20)
para que esta possa cumprir com total segurança aquilo quem é o propósito de
sua própria existência nesse mundo, glorificar a Deus e honrá-lo como Senhor
supremo na sua vida e vocação existencial. Pense Nisto!
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