O batismo é um ritual que tem uma existência muito antiga na história humana. Com isso quero afirmar que o batismo não nasceu com o povo judeu, nem muito menos com a igreja cristã. Sua presença como rito purificacional já foi catalogada nas religiões antigas, nas religiões de mistério gregas, nos rituais romanos e nos rituais de purificação dos judeus como destaca Sinclair Ferguson, David Writght e J.I.Parker, no Novo Dicionário de Teologia: O batismo, como lavagem em água com significado espiritual, tem suas raízes no judaísmo do AT e pré-cristão. A lei prescrevia o banho de pessoas consideradas “imundas” (NDT – 2011, p.120). Além disso, ele também tem um multiconceitualismo representando desde banhos cerimoniais até a própria experiencia com os sofrimentos e a morte (Mc 10.38-39).
O
significado do Batismo
Para continuar precisamos aclarar
melhor o significado, a definição do batismo. O que ele é? Penso que podemos
compreender o batismo (baptismos raiz baptw) como o ser mergulhado na
água como uma resposta de fé ao ministério messiânico de Jesus como portador do
novo pacto (kainê diathêke) e suas implicações. Assim defini batismo
John MacArthur Jr em seu livros Teologia Sistemática: Batismo nas
águas, portanto, é a demonstração externa e pós-conversão de uma realidade
interior que já ocorreu na conversão (MacArthur – 2022, p.1014). Ainda
acolhemos as achegas da Enciclopédia Históricoteológica da Igreja Cristã:
Quando o evangelho é pregado pela primeira vez ou quando há um abandono
da profissão de fé cristã, o batismo é sempre administrado diante da confissão
de arrependimento e fé. (EHT – 2009, p.114).
Desse modo, quando afirmo ser o
batismo cristão uma resposta de fé a nova aliança estou destacando um princípio
teológico no batismo que em seu desdobramento irá afasta-lo do batismo
agenciado por João Batista, mesmo que reconhecendo o elemento de arrependimento
presente em ambos. É evidente que reconheço também as vozes discordantes que
reafirmam a correspondência continuativa entre os ritos. Uma dessas vozes é de
João Calvino em sua As Institutas da Religião Cristã : Com isto se certifica
também que o ministério de João foi exatamente o mesmo que mais tarde veio a
ser aquele delegado aos apóstolos. Porque as diversas mãos com que se
administra o batismo não o fazem diferente; pelo contrário, a mesma doutrina
mostra que ele é o mesmo (Calvino -2006, p. 298). Em
contraponto declara o pastor Glênio Fonseca Paranaguá, em seu livros A Tara
na Balança: O batismo de João foi um evento interino. Aliás, o
Batista não passava de uma seta que sinalizava para a realidade. Ele veio
apontando para o Cordeiro, definindo-se penas como uma voz que anunciava aquele
que é o principal personagem da história. Sua missão foi transitória, e todos
os seus métodos, temporários
(Paranaguá – 2007, p.68)
Entretanto, partindo dessa
posição dialética desejo provar que a diferença entre esses batismos é
sobejantemente bíblica e fartamente teológica e podemos expor a partir dos
seguintes marcadores:
O batismo
de Jesus está conectado a nova aliança
Notem que o batismo de João era
efetivamente um instrumento do reconhecimento do pecado e concomitante
necessidade de arrependimento (eis metánoian): 11 Eu, em verdade, vos
batizo com água, para arrependimento; mas depois de mim vem alguém mais poderoso
do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele vos
batizará com o Espírito Santo e com fogo. (Mt 3.11). Esse aspecto
circunscreve e formata todo seu conteúdo e forma. E por que isso? Por conta da
natureza preparatória e anunciadora do seu chamado profético. O texto revelado
elucida isso com maestria, o ministério de João era uma convocação e um
preludio da aproximação do messias e do irromper da era redimida (olam
habá). Desse modo tanto a pregação do Batista, como seu próprio batismo
eram antecipadores da presença histórica do ungido (Mt 3.3).
Já no caso do batismo de Jesus
sua conexão com a nova dimensão pactual redimida é inegável e a comissão
missionária a sua comunidade espiritual é prova disso: 19 Portanto, ide e fazei
com que todos os povos da terra se tornem discípulos, batizando-os em nome do
Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; 20 ensinando-os a obedecer a tudo quanto
vos tenho ordenado. E assim, Eu estarei permanentemente convosco, até o fim dos
tempos”. (Mt 28.19-20). Aqui ser batizado em nome da trindade destaca
a relação aliancista dessa ordenança, pois, batizar em nome denota a relação
estreita com essas pessoas divinas que se revelaram em termos de relação
pactual (berith). Na verdade, nenhuma relação de Deus com os
homens se configurou fora da estrutura de aliança desde Adão até Jesus Cristo.
Segundo O. Palmer Robertson, no seu
livros o Cristo dos Pactos: Ampla evidência bíblica estabelece
o papel vital que as alianças divinas tem desempenhado no tratamento de Deus
com o homem, desde Noé até Jesus Cristo. Nenhum período da história da
redenção, de Noé a Jesus Cristo, fica fora do reino do tratamento em aliança de
Deus com seu povo (Robertson – 1997, p.19).
Escutem bem, Jesus veio
estabelecer a nova aliança, os últimos dias (b’acharît hayyamîm – eschatais
hêmerais) que tem no batismo sua representação externa (Hb 10.16-18=Jr
31.33-34; At 2.17,33,36). Na verdade, ao se batizar na trindade você está
inequivocadamente reafirmando a presença desse concerto aliancista que se impôs
como verdade salvífica no batismo de Jesus, assim como fica claro em relação a
santa ceia (Mt 26.26-28; 1 Co 11.23-25).
Essa conectividade está
totalmente ausente no batismo de João. Ele é uma lavagem, por assim dizer, de
arrependimento sim claro, mas nada mais que isso (At 19.4). Por outro lado, o
batismo de Jesus vai além disso, e afirma a manifestação da nova aliança, de
uma estreita relação redimida com Deus. Ou seja, da mesma forma que o arco-íris
representava a aliança pós-diluviana, que a circuncisão em Moisés representava
(leaoth: sinal) o pacto com Israel, o batismo, em seu caráter
ordenativo, não sacramental (e isso é importantíssimo) testemunha em fé da
presença dessa nova aliança em Cristo.
Essa é a percepção de R.C. Sproul no seu livro Somos Todos Teólogos:
Portanto, o sinal da nova aliança não é o batismo de João; é o batismo de
Jesus. Jesus pegou o rito de purificação e o identificou não com Israel mas com
sua nova aliança (Sproul – 2017, p.408).
O batismo
de Jesus aponta para a fé nele como messias
Outro fator de dessemelhança
entre esses batismos é o fato de que o batismo joanino não exerceu a fé
salvífica (pístis) em Cristo como nosso Salvador (soter)
e Mediador (mesitês). Veja como esse aspecto do batismo de Jesus salta a
nossa visão: 36
Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água, e foi quando o
eunuco observou: “Eis aqui água! Que me impede de ser
batizado?” 37 Ao que Filipe orientou-lhe: “Tu podes, se crês de todo o teu
coração”. Em seguida, declarou-lhe o eunuco: “Creio que Jesus Cristo é o Filho
de Deus!” 38 Assim, deu ordem para que parassem a carruagem. Então, Filipe e o
eunuco desceram à água, e Filipe o batizou. (At 8.36-38).
Perceberam o condicionante que
Felipe estabeleceu? O batismo indica a indisfarçável presença da fé em Cristo:
“podes, se crês”. Isso é em tal grau que sem ela, a fé, ele, o batismo
não poderia ter sido ministrado. Dito de outra maneira, o batismo evidencia
publicamente o nosso pertencimento a Jesus, é uma declaração de fé ao mundo que
como discípulo, servo e adorador pertencemos a ele (At 2.38; Rm 6,3a). Aqui
ouçamos John Piper em sua obra O que Jesus Espera de Seus Seguidores: Os
incrédulos que passam a crerem Jesus devem ser batizados, isto é, em obediência
a esse mandamento devem demonstrar que pertencem verdadeiramente a Jesus
(Piper – 2010, p.381).
Bem, no caso do batismo de João
nem querendo se poderia estabelecer essa possibilidade, portanto, ele não tem
como ser o mesmo batismo, em nenhuma hipótese visto que nele a fé em Jesus era
totalmente ausente. Sobre isso escreveu mais uma vez John Piper agora no seu afamado livro Irmãos, Nós não somos
profissionais: Primeiro,
entendi que todos os batismos relatados na Bíblia tratavam de batismos de
pessoas que professavam fé em Cristo (Piper – 2009, p.146).
O batismo
de Jesus evidencia a regeneração pelo Espírito Santo
O batismo de João não pode ter
correlação com o batismo de Cristo porque em Jesus, o batismo se compromete na
qualidade de confissão, numa evidência de mais largo espectro da regeneração
realizada pelo Espírito por meio do ministério da palavra (d’bar, logos,
rhema). Isto é, ser batizado é deixar patente que fomos regenerados e
agora caminhamos em uma nova existência: 3 Ou ignoreis que todos nós, que
fomos batizados em Cristo Jesus, fomos igualmente batizados na sua morte? 4
Portanto, fomos sepultados com Ele na morte por meio do batismo, com o
propósito de que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a
glória do Pai, também nós vivamos uma nova vida. 5 Se desse modo fomos unidos a
Ele na semelhança da sua morte, com toda a certeza o seremos também na
semelhança da sua ressurreição (Rm 6.3-5). Diferentemente João deixa
consignado que seu batismo era apenas para reconhecimento do pecado (awon,
harmatía) e arrependimento como já vimos, o messias sim, traria o batismo
com o Espírito que é sem disputa retratado no batismo nas águas. Quero,
portanto, afirmar nesse ponto que ao ser batizado nós estamos declarando a
todos os presentes e no mundo espiritual que morremos e ressuscitamos com Jesus
para vivermos uma vida incontestemente regenerada. Wayne Grudem na Teologia
Sistemática Ampliada salientou: Quando o candidato ao batismo desce
às águas vemos uma figura do descer à sepultura e do sepultamento. O sair das
águas é uma figura da ressurreição com Cristo para que se ande em novidade de
vida. Assim, o batismo representa muito claramente a morte do velho modo de
vida e o ressuscitar para um novo tipo de vida em Cristo (Grudem –
2012, p.816).
Outra vez reitero que não podemos
asseverar isso acerca do batismo de João, até porque ele nega tal possibilidade
veementemente (Lc 3. 15-17). Seguindo esse diapasão acentuou o reformador
genebrino João Calvino na Instituta: Mas, de tal forma o batismo serve à nossa
confissão diante dos homens que, de fato, ele é a marca em virtude da qual
professamos abertamente que queremos ser contados no rol do povo de Deus (Calvino
- 2006, p. 298).
O batismo
de João foi encarado como insuficiente pelo apóstolo Paulo
Aqui estabelecemos nosso último
argumento que como reflexão teológica percebe ser completamente inviável e não
bíblica a correlação do batismo de João com o batismo de Jesus. Isso fica
manifesto na atitude de Paulo de rebatizar os discípulos de João. No texto em
tela Paulo esclarece o caráter transitório, preparatório e por conseguinte
temporário do batismo de João e a necessidade premente de receber o batismo de
Cristo: 3 Diante
disso, Paulo questionou: “Ora, em que tipo de batismo fostes batizados, então?”
E eles declararam: “No batismo de João”. 4 Então Paulo lhes explicou: “O
batismo realizado por João foi um batismo de arrependimento. Ele ordenava ao
povo que cresse naquele que viria depois dele, ou seja, em Jesus!” 5 E,
compreendendo isso, eles foram batizados no Nome do Senhor Jesus. (Atos
19.3-5). Fica mais elucidado ainda se entendermos que Paulo jamais rebatizaria
aqueles discípulos se não houvesse fundada necessidade de tal ação: 5 há um só Senhor, uma só
fé, um só batismo, 6 um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por
meio de todos e em todos. (Ef
4.5-6). No texto em fomento Paulo explicita sua convicção na realidade de
apenas um batismo (en báptisma) por que então ele batizou os
discípulos de João? Se era o mesmo batismo porque o rebatismo? bastava
esclarecer sobre o batismo com o Espírito, que era uma informação ausente na
compreensão doutrinária deles pronto, sem nenhuma necessidade de uma ação tão
drástica visto que ele entendia que só havia um só batismo.
Notem bem, ao meu discernir a sua
atitude em Atos é um claro indicativo da incompletude do batismo de João e da
sua condição insuficiente para estabelecer qualquer paralelo que seja em relação
ao batismo de Cristo e seus amplos componentes teológicos como vimos até o
momento.
Dessa maneira concluo esse
pequeno artigo destacando os motivos pelos quais não se pode entender que haja
uma real correspondência entre os batismos de Cristo e de João. Nele ampliei e
maximizei os fundamentos revelacionais que descrevem o batismo como ordenança
de Jesus para sua comunidade espiritual, ao mesmo tempo em que demonstrei a
natureza pontual e temporária do batismo de João. E com isso seu absoluto
significado conclusivo no universo da obra de Deus em Jesus Cristo. SDG.
Dr. Marcus Barbosa - Professor de
Teologia
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