- O
inconsciente meu sabotador!
Uma frase meio estranha não acha? O seu
estranhamento vem primeiro porque começa com esse tal de inconsciente, quem ele
é? Segundo como ele pode exercer essa função clandestina dentro de mim? Terceiro
quais os caminhos percorridos nesse ‘projeto’ de me sabotar? Quarto no que me
sabota? Quinto quando isso ocorre?
O
conjunto desses questionamentos sobre o inconsciente/consciente se relacionam
diretamente com o fundamento econômico e geográfico da personalidade humana
dentro do referencial teórico proposto pela psicanálise como ciência do
psiquismo, como se vê claramente nas palavras de seu fundador, em seu trabalho
– O Ego e o Id e Outros Trabalhos: A divisão do psíquico em o que é consciente
e o que é inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e
somente ela torna possível a esta compreender os processos patológicos da vida
mental, que são tão comuns quanto importantes (Freud: 2002, p10).
Divisão econômica e topográfica da personalidade
O consciente, pré-consciente e inconsciente
fazem parte do sistema ou instancia do psiquismo humano definido por Freud que ficou
conhecida como abordagem topográfica. Em justaposição a esta ele também designou
a personalidade a partir de um viés econômico dentro do qual temos realidades estruturais,
em certo sentido em correspondência e diálogo contínuo designadas pelo
psicanalista de Viena num eixo trifásico: Ego, Superego e Id. David Zimmerman em seu Fundamentos Psicanalíticos aponta para o
diálogo dessas estruturas: as pulsões do Id,
as funções do Ego, os mandamentos do Superego e a realidade ambiental externa
agem entre si de forma continuada e indissociada, um influenciando ao outro
(Zimmerman:2007, p116).
Esse cenário global explicita o
sistema da personalidade como Freud o concebia. Entretanto, antes de tratarmos
diretamente dessa função subvertora do Inconsciente é didaticamente importante
avançar mais um pouco nas indagações pra questionar: quais os significados e
funções do Id, do Ego e Superego? O Id é o conjunto histórico, étnico do
patrimônio psíquico do indivíduo desde seu existir incluindo: herança biológica,
instintos básicos (instinkt) e todo tipo de investimento pulsional (trieb)
que exija gratificação e importe em deslocamento de energia vital. Segundo
James Fadiman: É a estrutura da
personalidade original, básica e mais central (Fadiman: 2002, p.10).
Por seu turno, o Ego (das Ich) se estabelece como o
executivo sênior da personalidade, sua representação, é o responsável tanto
pela autopercepção como pela mediação entre o mundo externo e as repercussões
dele no interior da personalidade, sobretudo, na repressão das investidas do Id
na forma de pulsão irrefletida para fora dele mesmo, sob a égide de compulsar
prazer, como escreveu Freud: o ego
procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e
esforça-se por substituir o princípio de prazer, que reina irrestritamente no
id, pelo princípio de realidade importantes (Freud: 1927, p15).
Já o Superego (Uber-Ich) é o sensor
moral, o promotor dos valores tradicionais pactuados em sociedade e
identificados pela socialização. Na percepção de Fadiman o superego é: o representante interno dos
valores tradicionais e dos ideais da sociedade conforme interpretados para a
criança pelos pais e impostos por um sistema de recompensas e de punições. O
superego é a força moral da personalidade. Ele representa o ideal mais do que o
real e busca a perfeição mais do que o prazer. Sua principal preocupação é
decidir se alguma atitude é certa ou errada, para poder agir de acordo com os
padrões morais autorizados pelos agentes da sociedade (Fadiman: 2002, p.226-227).
Um grande sabotador
Retomando a linha mestra de nossas
reflexões é decisivo destacar que o Inconsciente que agrega os conteúdos
psíquicos inscritos, reprimidos (recalque) na relação dialética do
Ego/Superego/Id dentro da superestrutura de nossas vivencias tem um papel
fundamental no como desenvolvemos nossa existência. Papel este que é
extremamente subestimado, visto que ele é sim responsável por muito
descarrilamento existencial, numa absoluta função de adversário, de um discurso
do ‘Outro’ que teima em nos sabotar.
Como se dá essa
ingerência protagonista? Para responder esse questionamento é preciso lembrar
que o nosso Ego como gerente de nossa personalidade tenta a todo custo
equilibrar a relação precária entre nossas instancia mais interiores marcadas
indelevelmente pela busca e manutenção do gozo (prazer) e o aparato social
posto e ideologicamente imposto como regra de existir mútuo. Colho lição do
renomado estudioso da psique James Fadiman: A meta fundamental da psique e manter—e
recuperar, quando perdido um nível aceitável de equilíbrio dinâmico que
maximiza o prazer e minimiza o desprazer. A energia que e usada para acionar o
sistema nasce no id, que e de natureza primitiva, instintiva (Fadiman: 2002, p.12). Essa gestão do Ego é levada a seus termos pelo
superego, a ele cabe o ataque ostensivo as exigências do id, as intervenções
inconscientes.
Na verdade, é decisivo
entender que o viver a vida em sociedade, com suas regras, papeis, valores, enfim,
é custoso para o Id, pois, quando não suprimi, posterga, retarda, dilatando em
muito a experiência do prazer, limitando por demais o nosso campo de gozo. Tal
função realizada pelo Superego é de dimensão mista consciente e inconsciente.
Qual o problema com essa
tentativa de equação pulsional? Simples, tal regramento de energia para
disciplinar o fruir do prazer, com vista a maior e melhor integração social,
existencial, familiar, enfim, não é aceito passivamente pelas instancias
Inconscientes e um processo de reação (ab reação) alocado nuclearmente no
Id é deflagrado do posto avançado da inconsciência. Tal desdobramento com sede
inconsciente atua de maneira silente, tácita e sutil condicionando
comportamento, viciando escolhas e comportamentos.
A titulo de ilustrar a teoria, por exemplo,
uma decisão de deixar um trabalho pode ser nada mais que uma exigência
pulsional com vistas a conseguir um prazer que foi negado pela atividade
laboral, um casamento que ao invés de ter se fundamentado no amor foi método
para obter sexo sem culpa ou cobranças, um curso universitário que ao invés de
ser uma escolha vocacional é oportunidade para compensar o complexo de Édipo
não solucionado manifesto na submissão neurótica ao gozo dos pais, enfim.
Todas essas escolhas
tem uma coisa em comum, foram viciadas desde seu nascedouro, nas suas prioridades e
motivações, mas não foram percebidas conscientemente. Eu chamo essa atividade
subvertora de sabotamento existencial. Agora lhe pergunto, quanto do que você
decidiu está livre dessa ingerência indevida?
Quais são os expedientes utilizados pelo
Inconsciente? (próximo publicação)
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