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QUANDO O REALIZAR NÃO É SUFICIENTE – Ap 2.1-7


Servir a Deus é uma consequência natural e até esperada daqueles que experimentaram o poder redentivo do reino de Deus e da nova era redimida por meio do ministério messiânico de Jesus de Nazaret.



            Na verdade, o impulso de seguir a Cristo é irresistível nos corações daqueles que sorveram verdadeiramente de sua graça regenerativa. Isso é magistralmente ilustrado na pessoa do ex-possesso de Gadara: 18 - Por isso Ele voltou para o barco. E o homem que tinha estado possesso dos demônios suplicou a Jesus que o deixasse ir com Ele. 19 - Mas Jesus disse que não. "Volte para o meio dos seus amigos", disse Ele, "e diga-lhes que coisas maravilhosas Deus fez por você; e como Ele foi misericordioso".  (Grifo meu) (Mc 5.18-20).



            Servir, portanto, a Deus é testemunhar da nova vida (zõe) comprometida em sua essência e dinamismo (dynamis) no nosso viver a vida-com (mitdasein) e é o fruto da completa submissão ao controle e direção do advogado celeste, o Ruach L’Qadosh: 7 - "O Pai é quem determina essas datas", respondeu Ele, “e elas não são para vocês saberem”. 8 – “Mas quando o Espírito Santo descer sobre vocês, então receberão poder para testemunhar com grande efeito ao povo de Jerusalém, de toda a Judéia, de Samaria, e até dos confins da terra, a respeito da minha morte e ressurreição”. (At 1.7-8).



            Servir, então, é uma atitude indispensável aos seus filhos/servos (douloi) e se exterioriza, mostrando sua face nua e concreta em toda nossa existência (existenz): trabalho, família, casamento, amizades, mas sobretudo, na igreja, na comunidade da fé. Deste modo, nossa adoração e serviço (shaha, proskynew) são dimensões mútuo dependentes e desdobrativas da relação de intimidade com o Deus Todo-Poderoso (El’Shadday): 18 - Então eles chamaram os dois de volta, e lhes disseram que nunca mais falassem novamente a respeito de Jesus.

19 - Mas Pedro e João responderam: "Decidam os senhores se Deus quer que nós lhes obedeçamos em lugar de obedecermos a Ele! 20 - Nós não podemos parar de falar das coisas maravilhosas que Jesus fez e disse". (At 4.18-19).



            A obra espiritual que realizamos em nome de Deus como resultado de sua vida divinal em nós independe de conjunturas e sofrimentos e se manifesta na forma como nos relacionamos e vivemos tanto dentro como fora da Igreja na qualidade de cidadãos da celestialidade nesse mundo escuro, sombrio e carente de redenção (apolytrwsis), como Paulo destaca: 14 - Em tudo quanto vocês fizerem, evitem queixas e discussões, 15 - de modo que ninguém possa dizer nenhuma palavra de censura contra vocês. Vocês devem levar uma vida pura e imaculada como filhos de Deus num mundo em trevas, cheio de gente desonesta e obstinada. Brilhem entre eles como a luz de um farol, (Fp 2.14-15).



            Entretanto, é possível se envolver de tal maneira nas coisas de Deus, sem no mesmo fôlego estar íntimo de Deus. Não raro muitos cristãos estão completamente engajados na igreja, inclusive até padecendo sofrimentos e perdas indeléveis por conta de seu compromisso com o evangelho, sem, contudo, isso ser produzido e impulsionado pelo combustível certo, pelo princípio adequado, a saber, o amor (Ap 2.2-4).



            Eis aí uma nota de advertência. Não podemos confundir ativismo e serviço de amor. O ativismo é realizado à revelia do amor, não precisa dele e se mantem e retira seu sustento do legalismo, do medo e outras fontes nem um pouco legitimas.



            Daí que a carta à Igreja dos efésios escrita pelo apóstolo João nos ensina que é possível se ter obras, doutrina correta, perseverança, enfim, mas sem a chama crepitante do amor (agapê). Tal ausência não é algo subsidiário ou destituído de significado, mas um item essencial, mais que isso legitimatório. Escreveu o erudito do novo testamento F.F.Bruce ao comentar essa passagem do apocalipses: A perda do amor não era um assunto sem importância; é tratado como que envolvendo uma queda da vida cristã (Bruce-2008). Na verdade, Paulo chega a afirmar que sem ele, o amor, qualquer realização existencial é destituída de significado e densidade real: 1 - SE EU TIVESSE o dom de falar em outras línguas sem tê-las aprendido, se pudesse falar em qualquer idioma que há em toda a terra e no céu e no entanto, não amasse os outros, eu estaria só fazendo barulho. 2 - Se eu tivesse o dom de profetizar, e conhecesse tudo sobre o que vai acontecer no futuro, soubesse tudo sobre todas as coisas, e, contudo, não amasse os outros, que bem faria isso? Mesmo que eu tivesse o dom da fé, a ponto de poder falar a uma montanha e fazê-la sair do lugar, ainda assim eu não valeria absolutamente nada sem amor. 3 - Se eu desse aos pobres tudo quanto tenho e fosse queimado vivo por pregar o Evangelho, e, contudo, não amasse os outros, isso não teria valor algum. (1 Co 13.1-3).



            A igreja de Éfeso era como uma esposa que realizava perfeitamente todo seu trabalho, todos os seus afazeres, por dever e não por amor, ferindo assim de morte (na base de sua motivação) toda sua realização. Segundo o pastor Hernandes Dias Lopes: Sem amor, nosso conhecimento, nossos dons, e nossa própria ortodoxia não tem valor. Jesus está mais interessado em nós do que em nosso trabalho (Lopes – 2006).



            Para ser bem exato, só conseguiremos superar a tensão histórica ser versus realizar se nos lembrarmos que o Senhor está muito interessado não apenas no que fazemos para ele, mas o porquê fazemos ou realizamos e essa carta é uma prova indisputável e mais do que eloquente dessa verdade.

           

            Dito de outro modo, para Deus não basta: pregar, ensinar, testemunhar, dizimar, ir regularmente ao templo, cantar no coral, participar das sociedades internas e comissões, enfim, mas o que motiva todas essas ações. O que movimenta a engrenagem do nosso engajamento na igreja? Aplausos, reconhecimento, dever, gloria da denominação, vaidade pessoal, sublimação...



             No final o que vai valer para Deus, o que vai passar pelo seu escrutínio são aquelas obras que foram motivadas pura e simplesmente pelo amor e feitas tão somente para sua glória. SDG.



Rev. Marcus King Barbosa

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