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PSICOSSOMÁTICA, COURAÇA E REPRESSÃO


Todos estamos expostos a limitação de nossos desejos (wünsche) em forma de processos repressivos, desde os mais leves e tênues até os mais severos e truculentos. É inevitável, pois, somos todos, querendo ou não somos consequências de pactuações (mesmo que pulverizadas na pós-modernidade e sua ênfase ao individual, fragmentado e episódico) civilizatórias nos moldes do contrato social russeliano e outras sinalizações pró- civilização e harmonia sociopolítica, a razão de ser disso é que é melhor o contrato com renuncias de potestades pessoais do que a barbárie e a ética do mais poderoso, que nem sempre pode ser nós!!

 Entretanto, quando ocorre esse tipo de repressividade nos frustramos e há uma descarga protetiva do sistema Psi. Bem se esta pulsão não é simbolizada ou redimensionada no ato reativo, catártico e; ao invés, essa excitação (Aufregung) é reprimida, por exemplo, prendendo a respiração para não estourar, ou engolindo seco para dizer o que (não) deveria ser dito (ou não), enfim, a repressão dessa energia pulsionalisada orgônica gera a couraça reichiniana.

            De fato, na perspectiva da psicologia reichiniana é assim que se instala a couraça ou retenção da energia orgônica que continuará a ser reforçada nos vários estamentos do nosso existir-com:  família, escola, trabalho, interpessoalidade, enfim, repressões sobre repressões, acaba havendo a criação da couraça definitiva, visto que não dá para fechar nossas janelas hermenêuticas a ponto de administrar a nível (i) consciente o interdito do prazer, até porque querendo ou não todos somos responsáveis pelo nosso gozo, diria Lacan.

E num exercício de pura conjectura, mesmo se pudéssemos fechar tais janelas, ainda assim persistiria com outra roupagem a repressão, esse também é o parecer de Zygmunt Baumam ao tratar da ética na pósmodernidade: Se conseguirmos manter as gavetas hermeticamente fechadas, de tal sorte que nossos "eus reais" se mantenham à parte, como se nos diz que podem e devem se manter, o incômodo não vai embora: apenas é substituído por outro (Baumam – 1997).

            Então como resultado material dessa couraça/repressão, surgem doenças psicossomáticas desde asma brônquica até as doenças anti-imunes, as úlceras, as doenças cardíacas, circulatórias, as neuroses, as psicoses e finalmente o câncer. Assustador, não é? É mais entenda o inconsciente como discurso do desejo reprimido cria todas estas mazelas para desviar a atenção do Self/consciente para a dor física, somática, ‘aliviando’ (ou será anestesiando?), assim, a dor moral, psíquica de caráter pontual, histórico, geográfico, temporal e relacional infligida por aqueles que não deveriam e também por aqueles que deveriam impô-las (um tipo de cortina de fumaça às avessas).

            O que estou querendo dizer é que os adoecedores e patológicos encontros de Eus, as relações de mutualidade e vínculos per-versos e vampiristicos, as amizades suicidas e fisiológicas, os trabalhos degradantes e expoliadores, as comunidades opressoras e vitimizadoras fazem com que suas vítimas, ou sobrantes, diria Baumam, sobre-vivam (será mesmo??) a custo de muita somatização, ou seja, muita couraça,  adoecendo para poder desviar a atenção do psiquismo não satisfeito.

            Essa repressão da bioenergia elucida (pelo menos do ponto de vista de Reich) as doenças psicossomáticas, do meu lado, esse texto se sujeita a ser um sinalizador para a construção da caminhada existencial em busca da identidade/autenticação, que fugindo da via repressiva constroem alternativas axiológicas (sistema de valores) e responsivas para os dilemas, tensões e conflitos do existir-com, como fruto de compromisso de consciência com seu Eu pacificado (esperemos). SDG.

Rev. Marcus King Barbosa – Psicanalista Clínico, Teólogo existencialista, Filósofo da Cultura e Pastor D’Almas  

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