O processo de
esvaziamento conceitual, a incorrespondencia entre conceito e conteúdo, a
relativização de princípios e doutrinas cruciais e definidoras tem tomado de
assalto a igreja histórica, militante (visível) com truculência e virilidade.
Por força de reação inúmeros institutos, princípios, visões sofreram
profundíssimas alterações.
Uma dessas alterações pode ser observada no
ministério da Palavra. O pastor, ministro do Evangelho tem sido confundido
atualmente com gerenciador empresarial, coach, mentor piramidal, terapeuta
motivacional, contador de história, produtor de cartase, enfim.
É importante afirmar
que o pastor não é nada do que foi identificado acima! Muito embora, muitos
aspectos do que foi listado estejam intrínsecos no ministério do pastor, tal como
liderança de pessoas, gerenciamento de recursos, mentoria, enfim, ele não deve
ser confundido com as profissões e atividades elencadas.
O pastor é cura d’alma, apascentador de vidas,
cuidador de gente. Paulo na sua carta aos efésios (Ef 4.1-16) nos apresenta
alguns recortes do seu entendimento do oficio pastoral que ao meu sentir são
relevantíssimos para uma resignificação deste oficio na pós-modernidade; isto
é, no nosso tempo, na nossa geração...
O
pastor é presente de Cristo para sua igreja
A primeira coisa que
Paulo nos ensina sobre o pastorado é que ele é presente, dom (edwken) de Jesus para sua igreja (Ef 4.
8-11). Pastor não é um profissional, nem seu ministério uma profissão. Não se
gera pastores em seminário. O pastor é um discípulo de Cristo chamado
(vocacionado) por ele para pastorear (poimaínein:
infinitivo presente: pastoreiem o tempo todo) sua comunidade espiritual (At
20.17,28). O seminário se cumprir sua missão no máximo fornece ferramentas e
treinamento. Essa era a visão dos teólogos e pastores reformados como por
exemplo de João Calvino: “Os apóstolos
não inventaram a si próprios, mas foram escolhidos por Cristo; e, ainda hoje,
os pastores genuínos não se precipitam temerariamente ao sabor de sua própria
vontade, e sim, são levantados pelo Senhor” (Calvino – 1998:120).
Infelizmente em nossa época muitos estão se lançando, sem nenhuma prova cabal
de vocação ao ministério pastoral. E ao invés de ressuscitar matam, de curar adoecem, de cuidar ferem, de apascentar escorraçam...
Na verdade é por não
ter esse entendimento, que tantas igrejas estão abarrotando seus púlpitos e
ministérios de profissionais eclesiásticos sem vocação e pagando o preço, ora
da insipiência, debilidade espiritual e falta de crescimento, ora da
secularização, mundanismo e crescimento doentio puramente pragmático. Fato é
que muitas igrejas estão morrendo e outras crescendo, mas não como comunidade de
Cristo e a culpa majoritária é do púlpito!
Pastor
é um mestre da maturidade
Na mente do apóstolo
o cerne do oficio pastoral era fornecer substrato para que os discípulos amadurecessem
espiritualmente e ficassem cada dia mais parecidos com Jesus (Ef 4.12-13). A
implicação disso é que o pastorado não se presta ao papel de entretenimento, bajulação,
terapia, entre outras sandices. O pastor não é contador de história, ou pior de
piadas, ele é mestre da maturidade, do aperfeiçoamento espiritual (pros ton katartísmon) dos discípulos.
O que defini o
pastor em termos da Escritura é seu compromisso com a maturidade do seu
rebanho. Ele o faz utilizando-se, na força e no poder do Santo Espírito, da
Escritura e os meios de graça através de sua tríplice função: mestre, pregador
e cura d’alma. Essa lição precisa ser aprendida pelo pastor pós-moderno tão dependente
de estratégias, tecnologias e habilidades. Segundo Phil A. Newton: “O ministério, com seus privilégios e fardos
transformou-se em um corpo de profissionais e o alimentar, o equipar e
disciplinar os crentes, para que cumpram sua função como sal e luz do mundo, se
perdem” (Newton-2005:33).
Não é sem motivos
que temos tantas ovelhas (estendendo a metáfora) erráticas, mal orientadas,
deformadas do ponto de vista da aparência com Jesus. Como ter discípulos sadios
espiritualmente com líderes que pastoreiam o rebanho segundo seus próprio
entendimentos e perspectivas? O que será de um rebanho onde o pastor reprova
uma ovelha de receber o batismo porque ela não tinha um cabelo de crente? E que
diabos é cabelo de crente!!! Como amadurecer se os líderes intoxicado de si
mesmo pregam confissão positiva, prosperidade e vida plena, estratégias e
fórmulas para crescimento do que o Evangelho ou no lugar dele?
Pastor
é um construtor
Na percepção de Paulo o pastor é aquele que está imbuído da função
indelegável de construir a igreja como corpo de Cristo. Isso é o mesmo que ter
discípulos aptos espiritualmente para
desempenharem suas funções como membros individuais do corpo de Cristo. É
salutar a advertência de John Sittema aos pastores/construtores da igreja
evangélica: “Sua função é cuidar do
rebanho do Bom Pastor, não simplesmente “administrar os negócios” de uma
instituição corporativa” (Sittema- 2004:15). Entenderam pastores? Acho que
não...
Uma igreja edificada é uma comunidade unida na fé, no amor e no conhecimento de Jesus. Não nas suas
próprias concepções, achismos,
tradições, ou coisa que o valha, numa espécie de solipsismo corporativo.
A comunidade espiritual que nasceu no Gólgota e foi inaugurada em Pentecoste é
uma referencia histórica, experimental e verdadeira da pessoa e da obra de
Jesus para sua geração; isto é, um povo que ama, inclui e cuida do próximo, do
necessitado, do diferente, enfim (1 Ts 1.2-10). Mas, se é assim, por que há
tanto preconceito, perseguição, discurso de ódio, inquisições, falso moralismo dentro
das igrejas?
A resposta a indagação formulada está na formação, na construção.Estou
querendo dizer é que são igrejas mal edificadas, construídas por uma liderança
não comprometida com uma edificação cristocêntrica que tenha a Jesus, seu
ensino, suas realizações; e sobretudo, sua obra na cruz como protótipo.
Pastores que alienaram a vocação e se secularizaram entendendo a igreja não
mais como o rebanho de Cristo ou seu corpo místico, mas como uma empresa, uma
instituição.
Portanto, a necessidade de se redescobrir o oficio pastoral nos termos da
Revelação é premente e imperiosa. Nossas igrejas estão à deriva ou navegando em
águas perigosas. O paradigma de liderança pastoral que viceja seu pegajoso
domínio através da mídia e das redes sociais é claramente não bíblico e
secular, comprometido com resultados quantitativos e espiritualmente
superficiais.
Certo é que hoje nas igrejas se privilegia eventos, agendas,
sobrenaturalidades (quando genuínas), enfim, mais do que a pregação (kêrigma) do Evangelho. E em muitos
lugares que há “pregação” essa é um rebotalho saturado da ideologia do pregador
e da instituição. Precisamos de pastores que pastoreiem a igreja de Cristo
segundo Cristo e com seu Evangelho. Precisamos de líderes que conduzam o rebanho
aos verdes pastos da Verdade, das Escrituras. Precisamos de pastores que
ensinem o rebanho a amar como Jesus, exercer sua compaixão e a cuidar de vidas
e gente como ele. Amém. SDG.
Rev. Marcus King Barbosa – Pastor Reformado, Teólogo, Psicanalista
Biopsicossocial, Terapeuta Integracionista e Filósofo da Cultura
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