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A VIDA CRISTÃ MADURA


Amadurecimento é o destino finalístico (Endziel) de toda a entidade viva. O não amadurecer por seu turno é o indicativo robusto de anomalia ou no mínimo de sérios problemas no sistema do ser. Desse modo, todo aquele que nessa existencia reivindica o protagonismo da vida deve seguir rumo a essa experiência credenciativa que é a maturidade (hebraico: kalal, tamam, shalém, grego: télos). O Dicionário Bíblico Wycliff correlacionou a perfeição cristã ou maturidade ao desiderato da eticidade cristã: “Em um sentido relativo, a perfeição como qualidade do que e completo, ou a maturidade esta relacionada aos crentes em Jesus Cristo (Fp 3.15), e ainda paradoxalmente também e pregada como um objetivo para o cristão (Fp 3.12-14)”.



Deus deixa isso claro para Abrão: “Abrão estava com 99 anos de idade, o SENHOR apareceu a ele, e disse: “Eu sou o Deus todo-poderoso. Faça a minha vontade e seja íntegro aramaico: – shalim, hebraico: tamim (Gn 17.1) e Cristo para sua Igreja: “48 Mas vocês devem ser perfeitos, como o seu Pai celestial é perfeito.”  Grego: téleioi (Mt 5.48). O Ap. Paulo de seu lado não apenas insiste na vivência da maturidade como nos fornece alguns marcadores que indicam sua presença; isto é, que apontam para o que seja a vida cristã madura (Fp 4.4-9).  São esses recortes que nesse momento torna-se alvo de uma breve análise.



E podemos iniciar asseverando que para Paulo a vida cristã madura é em primeiro lugar marcada por júbilo e equilíbrio existencial: “4 Estejam sempre cheios de alegria no Senhor; e digo outra vez: Alegrem-se! 5 Que todo mundo veja que vocês são amáveis em tudo quanto fazem. O Senhor virá em breve” (vs-4-5)



 Como ser alegre todo o tempo em um mundo que pode ser bem descrito como angustiante? Como ser equilibrado em uma existencia vasada por antagonismos duros e implacáveis? Diante dessa orientação ética do apóstolo aos gentios parece que estamos longe (não só parece) de uma versão real da vida cristã! Sua proposta de maturidade parece que ultrapassa a linha fronteiriça do razoável e está intoxicada do sublime e transcendente. Bem está mesmo, não apenas intoxicada mais irreparavelmente dominada, controlada e prenhe do novo Ser crescentemente mais liberto e glorioso.

 Por outro lado, ficamos a pensar será que Ap. Paulo vivia nesse mundo mesmo? Será que seu ensino não era mais uma de tantas utopias que engravidam a civilização humana, sobretudo, em momentos de crises agudas? A resposta a todos os questionamentos é um desenganadamente não! Paulo sabia o que estava ensinando, sua experiência não era epigonal, ou seja, de segunda- mão, mas um espetro de mais larga grandeza. Por isso ele pôde estabelecer relevos sobre a maturidade que transitam por caminhos que para um cristianismo cada dia mais imaturo como o que estamos expostos pareça irreal, utópico e não experimentável.

Contudo, a maturidade cristã segue esse roteiro de autossatisfação exultante e equilíbrio explicitado na vida concreta, no cotidiano.

Avançado mais um pouco Paulo também finca mais um marcador para a vida cristã madura, que consiste numa existencia suplicantemene eficiente e terapeuticamente apaziguada: “6 Não se aflijam com nada;em vez disso, orem a respeito de tudo; contem a Deus as necessidades de vocês, e não se esqueçam de agradecer-lhe. 7 Se fizerem isto, vocês experimentarão que a paz de Deus, que excede todo o entendimento, conservará a mente e o coração de vocês em Cristo Jesus.” (vs-6-7).



Na perspectiva do apóstolo maturidade espiritual e ansiedade são realidades incompatíveis e mútuo-excludentes. Por que isso é assim? Fácil, porque a ansiedade é uma existencia marcada pela falta de fé e razoabilidade, falta de fé na soberania, cuidado e poder do Deus Criador e Redentor e falta de razoabilidade porque ser ansioso é um expediente que não resolve de fato coisa nenhuma; ao contrário, só piora acrescentando mais um elemento negativo na equação. Daí que tanto a ausência da fé como a presença da irrazoabilidade não fazem parte da estrutura da maturidade cristã sendo de fato seu inverso, sua negação (Mt 6.25-34).

O cristão maduro transita na dimensão da fé (pístis), do transcendental. Seu viver é tracejado pelo equilíbrio (eg’kráteia) fruto do trabalhar subjetivo do Espírito (Gl 5.22-25). Além do mais essa experimentação densa e tangível da fé e da razoabilidade existencial gera consequências radicais na própria existencia desse cristão. Esses resultados são descritos por Paulo na categoria teológica do complete Peace (paz completa).



 Essa paz (eirênê), consequência de uma vida de fé é perpassante à nossa vivencia natural, outra forma de dizer que ela é extraordinária, não podendo ser reproduzida por agenciamentos humanos, não podendo ser falsificada pelo religiosismo, nem tão pouco substituída por fotoshop na vivencia facebokiana. Por quê? Porque essa paz é de patente exclusiva do Cristo, Jesus: “27 Deixo a paz com vocês! E minha paz eu dou a vocês. Não é como a paz que o mundo dá. Portanto, não se aflijam nem tenham medo.” Aphíemi: presente; permito que tenham sempre (Jo 14.27). Por isso o Ap. Paulo a descreve como penetradora de nossa subjetividade, atingindo as estruturas emocionas e cognitivas de forma terapêutica per excellence.



Notem bem, o apaziguamento da maturidade cristã não é o mesmo que ausência de dificuldades ou problemas, de maneira nenhuma! Ela co-existe com a dor mais lancinante, com o choro, a perplexidade, decepção, enfim, porém ela sobrepuja tudo isso e consegue nos alinhar com o trono da graça existencialmente acima das nuvens mais sombrias e carregadas. Na ótica de Hernandes Dias Lopes essa paz: “Não se desfaz como a névoa, não se apaga como uma luz bruxelante. Não se esvai como vapor. É a paz do céu, a paz de Deus, a paz que excede todo entendimento”.



 De fato a maturidade cristã é uma alternativa tremendamente eficaz aos antidepressivos da moda no nosso mundo contemporâneo fluido e acelerado, caracterizado por narcisismo histriônico e um individualismo ensimesmado, o que para Luiz Felipe Pondé é mais que atitude isolada é uma marca (brand), uma identificação: “De alguma forma a marca definitiva do contemporâneo é o narcisismo estéril e o individualismo histérico”.



 Portanto, a paz eixo constitutivo da maturidade cristã faz uma viajem de vida em consciência e plenitude regando o deserto árido de nossas relações não permitindo sermos meramente carregados pelos fluxos e cursos ideológicos que assolam nossa existencia como tempestades devastadoras.



Por fim fica mais que claro no doutrinamento do apóstolo que a maturidade cristã se encontra na reorientação axiológica que se compromete tanto com a realidade que confira sentido último para a existencia como promova o melhor do humano: “8 E agora, irmãos, ao terminar esta carta, quero dizer-lhes mais uma coisa. Firmem seus pensamentos naquilo que é verdadeiro, nobre e direito. Pensem em coisas que sejam puras e agradáveis e detenham-se nas coisas excelentes. Pensem em todas as coisas pelas quais vocês possam louvar a Deus.” (v-8).



Dito de outro modo ser maduro espiritualmente para Paulo é refazer sua hierarquia de valores a partir da re-humanização ou se preferirem re-genesis como em outro lugar ele assinala: “17 Quando alguém está em Cristo, torna-se uma nova criação . Já não é mais a mesma pessoa. As coisas antigas já passaram e teve início uma nova vida!” kainê ktísis: nova criação (2 Co 5.17).



Esse re-genesis é a chave interpretativa pela qual re-definimos nossos valores. Valores que dependem menos do argumento da massa, do marketing de comportamento, da exorbitação do apelo materialista e pragmático da existencia e dependem mais de uma ética de re-humanização de uma humanidade que foi alienada, alijada pelo evento queda e por conta disso experimenta um existir (dasein) em ambiguidade e falta de sentido (nonsense). A filosofia chamaria de reificação; isto é, o esmagador sentimento de ser nada, ou uma coisa (aqui faço sutil alusão ao metamorfose de Kafka).



Ser maduros do ponto de vista da vida cristã autentica é internalizar um compromisso valorativo com o transcendente e intransitivo criador de sentido eterno (e não apenas histórico) que o discurso religioso até admite intelectualmente, mas não encarna afetivamente por conta de não poder desvencilhar-se dos pesos ideológicos e psicoexistencialmente herdados. Até porque quanto mais divinamente ‘livres’, apartados do domínio, da jurisdição de Deus, mas escravos ficamos da nossa herediteriedade, fantasias psicológicas e condicionamentos culturais. O que para Paulo está anos luzes da maturidade, visto que esta nos dá um novo olhar para vida e para outro decorrente de uma nova mente, uma nova consciência, uma nova afetividade, enfim, fruto da gravidez divina que nos pariu para uma nova vida (Jo 3.3, 5).



Na verdade o novo parto existencial faculta um novo paradigma que tão carente está o homem pós-moderno, como delineia em seu discurso crítico o físico Fritijof Capra: “precisamos de um novo “paradigma” uma nova visão de realidade”. Eis aqui então esse novo paradigma – a maturidade espiritual que nos permite investir em uma nova sociedade que supera, em prol da nova Vida (dzoê), a tensão axiológica: valor pragmático/material x valor intrínseco transcendental. Que busquemos essa maturidade de maneira intensa e lúcida e por meio dela avancemos para explicitar mais e mais a nossa salvação em Cristo para uma existencia que fomos chamados a vivenciar. SDG


Marcus.K Barbosa – Psicanalista Clínico, Filósofo da cultura, Teólogo e Discípulo de

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