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SUPEREU A VOZ DENTRO DE MIM


Todos nós temos um superEu mesmo  que não tenhamos um conhecimento formal disso. Ele é designado entre os não iniciados de muitos outros nomes, por exemplo, como consciência, sentimento moral, culpa, enfim.

O superEu (Über-Ich) faz parte do eixo da segunda e última teoria de Freud sobre a personalidade, chamada econômica consistindo do ego e do Id. Sendo que a primeira, denominada teoria topográfica envolvia os conceitos do Inconsciente, pré-conciente e consciente.
De modo que nessa versão econômica o superEu brota criativamente do Eu à medida que a criança vai necessitando adaptar-se ao universo axiológico e ético fornecidos pelos seus pais objetalmente e a posteriori pela sociedade sendo essa sua origem formativa - a necessidade infantil de socio-adaptação.

De maneira que o SuperEu é o responsável gerencial e fiscalizador  das nossas respostas às demanda da relação social, das renuncias pulsionais e egóicas necessárias ao processo civilizatório e na manutenção do compromisso pactual-hierárquico. Neste sentido o superEu destaca-se como um elemento decisivo na engrenagem da socialização. Por isso nos sentimos ‘mal’ quando agimos em desacordo com as regras morais da  sociedade que estamos inseridos, como também quando deixamos de obedecer as regras familiares ou ordens do pai/mãe, enfim.
Nesta configuração dada podemos assinalar que o superEu está a serviço da manutenção do status quo social e cultural, da estabilidade do sistema de valores (ethós) pré-dado ao ego pela estrutura social vigente na figura da família. O superEu tem a tarefa de manter esse estrutura axiológica sem alterações do jeitinho que se encontra. E empreende todo arsenal a sua disposição (e são muitos) para cumprir essa missão.

Por assim dizer o superEu é o patrono do ego. O mantém na ‘linha’ quando esse em reação aos ditames do Id, das pulsões inconscientes e do próprio anseio de protagonismo do Self se descarrilha em relação aos valores ‘pactuados’.

A ingerência do superEu é inconsciente. Isso significa que na maior parte das vezes não estamos cientes de que esses sentimentos não são ‘nossos’ no sentido de autorreferencia. Dito de outro modo, somos motivados (ou porque não dizer condicionados) por sensações e sentimentos de culpa, recriminação, tristeza, angustia, desespero provenientes da atuação do superEu que se quer nos damos conta quando pensamos e agimos, sobretudo, quando estas atitudes são social, familiar e culturalmente transgressivas.

Por conta disso é  que quando burlamos alguma regra moral sentimos o profundo sentimento de culpa, quando ignoramos orientações específicas de nossos progenitores somos esmagados por um sentimentos de autorrecriminação, de auto-acusação, que em muitos casos se desdobra em depressões e angustia.

A grande verdade é que muita gente é atormentada por um  superEu exigente, ou ainda nunca conseguiu independência emocional por conta da interferência do SuperEu. No dizer da psicanalista Priscilla Roth: Um individuo perseguido por um superego de um rigor excessivo pode ser retratado como inconscientemente vergado sob uma montanha instável de culpa (Roth – 2001).

Neste ponto cabe indagar quantas escolhas nossas estão contaminadas pela intervenção do superEu? Quantos valores, sentimentos, pensamentos, escolhas são realmente nossos? Ai já na seara da religiosidade, quantos arrependimentos são de fato arrependimentos no sentido próprio da palavra ou um ajuste comportamental do superEu ao novo status religioso? Fica a reflexão...

Marcusk Barbosa – Psicanalista Clínico, Teólogo, Filósofo da cultura e discípulo de Jesus

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