É impossível entender o que
Deus trata com a igreja, tanto histórica como temporalprofética no livro das
Revelações sem compreender em primeira instancia a própria relação
espiritual-escatológica de Cristo com a Igreja e sua fundamental existência no
mundo criado/redimido.
Essa descrição é notadamente
apresentada na visão dos sete candeeiros e sete estrelas (1:12-20). Aqui Deus
deixa mais que evidente que ele detém o controle absoluto da existência da
igreja em Cristo. Que nada passa de seu conhecimento ou assume uma feitura
descontrolada; ao contrário, toda a vida da igreja se desdobra em suas mãos
soberanas de forma irrestrita. Esse domínio é de tal magnitude que a própria existência,
luz e destino da igreja dependem disso, como acertadamente comentou Hernandes
Dias Lopes: A luz
da igreja é emprestada ou refletida, como a da lua. Se as estrelas têm de
brilhar e as lâmpadas luzir, elas devem permanecer na mão de Cristo e na
presença de Cristo (Lopes – 2005).
A partir dessa perspectiva tem
se como discernir aquilo que Deus revela a igreja desde sua presença divina
como da própria existência que a Igreja está levando em sentido histórico, mas
também escatológico como uma grande trama dualística.
Portanto, a maneira que Deus
lida com a igreja de Éfeso no Apocalipse e como ele aborda a situação dela é
fundamental para a igreja da atualidade, visto em consideração os elementos
extra-históricos que estão intrinsecamente presentes dentro do cenário temporal
e que perfazem essas sete cartas em todo seu período dispensacional-histórico,
como atestou William Hendriksen: que
essas sete igrejas representam a igreja inteira através de toda esta
dispensação (Hendriksen - 2005). Pensando assim vejamos essas lições:
A primeira lição que Deus nos fornece
é a realidade da presença do messias no meio da trajetória existencial da
igreja: 1 “Ao anjo da igreja em Éfeso escreve: ‘Assim declara
Aquele que tem as sete estrelas na mão direita e anda no meio dos sete
candelabros de ouro (v-1).
Cristo está presente andando
com a sua igreja, ele não está apenas no céu, mas também conosco em nossas
lutas e tribulações. Infelizmente nesses tempos de má teologia a presença
espiritual de Cristo tem sido excessivamente negligenciada (Rm 6.8-11; Mt 28.20).
A presença transcendente de Cristo
ainda tem sido apresentada no céu, no trono reinando com o Deus-Pai, mas a sua realidade
imanente, ou seja, sua presença real com sua igreja histórica como
desdobramento da união místico-espiritual tem sido altamente negligenciada. Não
podemos negligenciar a presença real de Jesus, o impacto de sua gloriosa
presença imanente que precisa saturar nossos encontros, louvor, orações, enfim.
Segundo William Barclay: Esta imagem nos
faz presente a incansável atividade de Cristo em meio de sua Igreja. (Barclay
- 2003).
A segunda lição que Deus nos
apresenta é o conhecimento absoluto que ele manifesta da vida existencial de
sua comunidade: 2 Conheço as tuas obras, tanto o teu
trabalho árduo como a tua perseverança, e que não podes tolerar pessoas más, e
que puseste à prova aqueles que a si mesmos se declaram apóstolos, mas não são,
e descobriste que eram impostores. (v- 2a).
Essa é uma salutar lição que
Deus nos presenteia. Como é refrigerador saber experimentalmente que nosso Deus
e Salvador tem contato, in locus, com nossa vida e vivencia, que ele tem
conhecimento privilegiado de nossas obras e atividades dentro de sua
comunidade.
Jesus deixa claro que conhecia
a postura de fidelidade e compromisso da igreja de Éfeso. Como destacou Warren
Wiersbe: Os cristãos efésios
pagavam um preço para servir ao Senhor. Eram uma congregação firme, pois o
termo "perseverança" significa "resistência em meio às
tribulações". Não desistiam diante da adversidade (Wiersbe-2007).
Aqui Cristo salienta no que consistia o trabalho e fidelidade da igreja:
Em
primeiro lugar na sua submissão doutrinal. Éfeso era uma
comunidade fiel ao ensino e a doutrina de Jesus. Isso a capacitou, não apenas a
si manter pura, mas a adquiri um forte discernimento doutrinário que a
capacitou a perceber a falsidade de vários apóstolos que estavam tomando de
assalto as igrejas, mormente a em questão. E nesse ponto precisamos ouvir a
lúcida denúncia do pastor Hernandes Dias Lopes: A
igreja evangélica brasileira precisa aprender nesse particular com a igreja de Éfeso.
As pessoas hoje buscam a experiência e não a verdade. Elas não querem pensar, querem
sentir. Elas não querem doutrina, querem as novidades, as revelações, os sonhos
e as visões (Lopes – 2005).
Em
segundo lugar comunidade de Éfeso era tributária de uma profunda experiência
com a perseverança em meio a muito sofrimento e perseguição:
3
Tens perseverado e suportado sofrimentos de toda espécie por causa do meu Nome,
e não te deixaste desfalecer. (v-3). Isso é facilmente
compreendido se entendemos que ser discípulo em Éfeso não era popular como
atualmente. Nesta opulenta cidade estavam arraigados os maiores centros
difundidores do culto ao imperador. Ali naquela cidade muitos crentes estavam
sendo perseguidos e até mortos por não se dobrarem diante de César. Como se não
bastasse havia ainda a perseguição destilada pelos seguidores fanáticos do
culto a deusa Diana dos efésios.
Portanto, ao lembra-los disso
Deus estava deixando ciente que reconhecia que a biografia deles indicava que
eles mantinham sua lealdade não retornado ao ocultismo e religiosismo
abandonado (At 19.8-20) em sua grandiosíssima conversão, como evidencia Simon
Kistemaker: Ao
honrarem o nome de Cristo e prontamente suportarem perseguição e dificuldades,
os efésios demonstravam que não chegaram à exaustão em sua vida espiritual
(Kistemaker – 2004).
A terceira lição que Deus nos
apresenta é o fato de que o passar do tempo pode erosar a virtude mais fundamental
da comunidade espiritual de Cristo – o amor: 4 Entretanto, tenho contra
ti o fato de que abandonaste o teu primeiro amor. (v-4).
Não basta para Jesus a igreja
ser ortodoxa. Não basta apenas ser intolerante com o pecado. É decisivo que ele
faça tudo isso e muito mais pelo motivo certo, isto é, pelo amor insuperável e
transbordante! O apóstolo Paulo já consigna isso em sua linda poesia canônica:
1
E agora, passo a vos mostrar um caminho ainda muito mais excelente. Ainda que
eu fale as línguas dos seres humanos e dos anjos, se não tiver amor, serei como
o sino que ressoa ou como o prato que retine. 2 mesmo que eu possua o dom de
profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, e ainda tenha uma fé
capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. 3 Mesmo que eu dê aos
necessitados tudo o que possuo e entregue o meu próprio corpo para ser queimado,
se não tiver amor, todas essas ações não me trarão qualquer benefício real (1 Co
13.1-3). É sim possível cumprir seu dever por simples zelo, sem nenhum tipo de manifestação
de amor, ou devoção ou entrega apaixonada. Os efésios tinham chegado a essa
condição deplorável de aridez que se exibia fartamente em sua vocação, sua
liturgia, seus ofícios, enfim. Deus reage a essa situação histórica denunciando
o legalismo e a morte que pairava no coração desta igreja. Sobre isso afirmou
Warren Wiersbe: A
igreja de Éfeso era uma "igreja descuidada", constituída de cristãos
descuidados que negligenciaram o amor por Cristo. Será que não fazemos o mesmo?
(Wiersbe-2007).
A quarta lição que Deus nos oferta
é a necessidade impositiva do arrependimento como caminho de verdadeira
restauração: Recorda-te, pois, de onde caíste,
arrepende-te e volta à prática das primeiras obras. Porquanto, senão te
arrependeres, em breve virei contra ti e tirarei o teu candelabro do seu lugar. (v-5).
Não há outra via de acesso ao
favor divino em condição tão desfavoráveis como essa que estava sendo vivida
pela igreja de Éfeso e que será vivenciada por muitas outras igrejas ao longo
da história até a parousia de Cristo senão o arrependimento verdadeiro,
bíblico, sincero, interiorizado e experimental. Segundo Simon Kistemaker:
O Senhor aponta não só para as faltas
deles; mostra-lhes também como corrigi-las. Após criticar negativamente sua
situação espiritual, ele lhes ordena positivamente que a restaurem
(Kistemaker – 2004). Neste caso, um arrependimento que não se confunde com
gestão de imagem, mas que contempla a face mórbida do pecado e suas funestas consequências.
Sem arrependimento não há como escapar das garras do pecado, o que fica é só
dor e sofrimento.
Deus adverte aqui que sem arrependimento ele
viria em juízo histórico contra a igreja e a removeria daquele lugar, ou seja,
a igreja deixaria de sobreviver historicamente. O mais lamentável é que a
igreja em Éfeso deixo de existir naquela geografia! John MACArthur Jr. Sublinha
esse fato ao destacar: Enquanto o amor
pelo Senhor Jesus Cristo sempre estará presente em verdadeiros cristãos, que
podem flutuar em sua intensidade. Cristãos nem sempre vão amar Jesus Cristo com
todo o seu coração, alma, mente e força, e deixar de fazê-lo é pecado. Não há
melhor ilustração na Escritura da seriedade de permitir que o amor a Cristo mingue
do que esta carta à igreja em Éfeso. (MACArthur Jr.-2010).
A carta aos efésios na tela do
Apocalipse é riquíssima em suas lições para toda a comunidade da fé. Nela vemos
como uma igreja ortodoxa, ortopráxica pode naufragar em mares revoltosos.
Nessa missiva vimos claramente
o que não podemos fazer e o que não podemos deixar de ser.
Precisamos ser uma igreja fiel, mas pelos motivos certos e o maior deles é o
amor – a Deus e nossos irmãos (1 Jo 3.8-16). Uma comunidade que não ama pode
ser qualquer outra coisa menos a comunidade espiritual de Jesus. Precisamos
avaliar com muito cuidado nossa vida, a vida de nossa comunidade e se preciso
for nos arrependermos com zelo e piedade para que continuemos como candelabros
nas mãos do Senhor. SDG.
Dr. Antonio Marcus King
Barbosa – Psicanalista Clínico, Psicoterapeuta Clínico, Filósofo
Existencialista e Teólogo Reformado
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