A
teoria psicanalítica, ao se debruçar sobre o estudo da linguagem, concentra-se
não apenas nos momentos em que a linguagem se expressa claramente (se isso
realmente é factível) mas, notadamente, nos momentos em que ela falha, tropeça
ou se desvia, ou clareando mais o argumento que (Nasio-1993) os psicanalistas certamente se interessam pela
linguagem, mas se interessam unicamente no limite em que a linguagem tropeça.
O interesse na análise, portanto, pela linguagem perpassa a comunicação
eficiente, explorando as facetas e complexidades que surgem quando a linguagem
não consegue plenamente capturar e evidenciar a experiência humana.
Dessa forma,
a atenção aos tropeços da linguagem é motivada pela compreensão de que muitas
vezes é nas falhas, ambiguidades e lapsos que se revelam, se explicitam
e exteriorizam aspectos inconscientes, do mais que falar, do discurso do
sujeito. A análise, perfilando a referência teórica inaugurada por Sigmund
Freud e relida e recriada por Jacques Lacan, acredita que a linguagem é um
terreno fértil para a expressão do inconsciente como estrutura do
saber-que-fala, que demanda. E onde esse saber estruturado como linguagem demanda?
Dentro de um espaço significado de compartilhamento social, ou seja, uma
reivindicação do reconhecimento ao desejo, que em sendo socializado insere o
sujeito nesse lugar de con-vivências. Tratando sobre a socialização do desejo destacou Vladimir Safatle: Como
tais imagens são contrações de tramas sociossimbólicas nas quais o sujeito se
inseriu ao socializar seu desejo (Safatle – 2007, p.34)
Assim,
os momentos em que a linguagem derrapa, seja por meio de lapsos de língua,
esquecimentos, equívocos ou ambiguidades, são considerados manifestações
simbólicas das tensões psíquicas subjacentes e tensionais. Essas manifestações revelam,
sem o “sabermos” conteúdos reprimidos, recalcados não formulados ou conflitos inter
e intrassubjetivo que o sujeito pode não estar conscientemente ciente, que não
faz parte do seu universo do saber-meu, pois, está dinamicamente na instancia
do não-perceber (nicht bemerken), só sendo mediado (ou não) pelo simbólico.
Dessa forma, os deslizes na linguagem são compreendidos como janelas hermenêuticas
(Hermeneutische Fenster) onde o inconsciente vai se estruturar
como linguagem. Isso funciona para nós analista como um terreno fértil,
complexo e rico de exteriorizações da relação dialética com a falta na clínica;
isto é, links para a compreensão dos processos psíquicos mais profundos.
Claro
que evidentemente a abordagem psicanalítica na sua exterioridade técnica não se
restringe a uma análise puramente superficial da comunicação verbal, mas busca decantar,
garimpar as camadas simbólicas que permeiam o discurso. Assim, dentro desse
entendimento os equívocos e tropeços na linguagem são escutados como sinalizações/signos
que ultrapassam o significado denotativos das palavras, revelando o
significante, nos seus entrelaçamentos intersubjetivos da relação do sujeito
com o Outro; sobretudo, no sentido de uma alienação.
Portanto,
a abordagem dos equívocos da linguagem na análise não apenas contribui para um discernir
mais qualificado das tramas intersubjetivas das relações na sua busca pelo gozo
(desejo puro) e o mais-que-gozar, mas também enriquece a prática psicanalítica/clínica
ao proporcionar um fio condutor meio descapelado de acesso ao inconsciente. Ou seja, ao entender que o discurso está
saturado, prenhe intrinsecamente por camadas significantes, o analista pode decantar
as nuances do discurso para desvendar as complexidades da trama sociossimbólica
humana. SDG.
Dr.
Marcus King Barbosa
Psicanalista Clínico (24),
Psicoterapeuta Integratista, Filósofo, Neuropsicanalista, Teólogo público e
Licenciando em Pedagogia
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