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Evangelho muda radicalmente nossa forma de pensar e sentir

 

Quando o poder explosivo (dynamis) do Evangelho atinge aqueles de manifestam discípulo (talmidim) de Cristo este produz uma transformação profunda e radical, configurando toda sua subjetividade. Com isso estou afirmando que o Evangelho altera positivamente a forma de pensar (cognição), de sentir (páthos) e consequentemente suas ações e reações (intersubjetividade).

 

1.    Mudança na estrutura do pensar

 

Vamos entender o primeiro impacto do Evangelho em nossa subjetividade que se dá no âmbito da dinâmica do pensamento ou cognitiva. Quero dizer que a luz trans-formadora do Evangelho irradia no nosso pensamento produzindo uma nova percepção (janela hermenêutica).

Desse modo, o discípulo começa a pensar as categorias do viver, das relações, notadamente com Cristo, de uma forma absolutamente trans-cedente, redimida fornecidas pelos poderes da ressurreição de Cristo, na qual fomos feitos partícipes pela atuação do Espírito Santo: 1 Portanto, se vocês foram ressuscitados juntamente com Cristo, busquem as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. 2 Pensem nas coisas lá do alto, e não nas que são aqui da terra. 3 Porque vocês morreram, e a vida de vocês está oculta juntamente com Cristo, em Deus (Cl 3.1-3).

Dessa forma, essa alteração cognitiva, essa forma de pensar e entender os valores do Reino de Deus; isto é, essa cosmovisão redimida está correlacionada intimamente a revolução holística da nova aliança prega e possibilitada pela atuação mediadora e messiânica de Jesus e fora predita no Antigo Testamento no ministério dos navis: 31 “Está chegando o dia”, diz o SENHOR, “em que farei uma nova aliança com o povo de Israel e de Judá. 32Não será como a aliança que fiz com seus antepassados, quando os tomei pela mão e os tirei da terra do Egito. Embora eu os amasse como o marido ama a esposa, eles quebraram a aliança”, diz o SENHOR. 33“E esta é a nova aliança que farei com o povo de Israel depois daqueles dias”, diz o SENHOR. “Porei minhas leis em sua mente e as escreverei em seu coração. Serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. 34E não será necessário ensinarem a seus vizinhos e parentes, dizendo: ‘Você precisa conhecer o SENHOR’. Pois todos, desde o mais humilde até o mais importante, me conhecerão”, diz o SENHOR. “E eu perdoarei sua maldade e nunca mais me lembrarei de seus pecados.” (Jr 31.31-34). Essa grande revelação da profunda ingerência dos valores e princípios dessa nova aliança é comentado por Tremper Longman III: A ideia da Lei impressa na mente e no coração não é nova. Era o ideal da antiga aliança que se realizou parcialmente nos homens e mulheres do antigo testamento (Longman III – 2003). Essa nova diretrizes cognitivas são bem ilustradas na busca ética do discípulo descrita por Paulo ao estabelecer os temas que deveriam saturar a atividade cognitiva deles: “8 Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai.” (Fp 4.8). Aqui fica evidente que o Evangelho fornece uma superestrutura cognitiva, um novo discernimento e uma nova dinâmica de pensar, não mais condicionada pelas estruturas perversas e alienadas da natureza caída e suas demandas cognitivas, que o apóstolo vai designar de mente carnal, mas permeada dos princípios do novo ser em Cristo que nos habilita a pensar a partir das lentes da nova aliança, ou seja, com a mente de Cristo (1 Co 2.16).

Assim, existe um quantum, uma unidade intocável fundamental (por ser fundante) em nosso pensamento, em nossas emoções, no nosso agir produto da redenção que nenhuma conjuntura, personagens, transtorno mental, enfim, podem modificar ou suprimir, então, muito do que obsessivamente estamos pensando, sentindo ou fazendo é mais  medida autoprotetiva, desculpa camufladora de uma experiencia genuína com a graça salvadora e redentora de Cristo, fenômeno que tem sido muito presente em nossos templos.

 

2.    Mudança na estrutura do sentir

 

Outrossim, essa mudança subjetiva que o Evangelho em seu poder salvífico gera na interioridade do discípulo se estende para seus sentimentos e emoções. É nesse contexto que deve ser discernida a expressão: “oração de carne” em contraste com “coração de pedra” dita pelo profeta Ezequiel: “26 E vos darei um novo coração e derramarei um espírito novo dentro de cada um de vós; arrancarei de vós o coração de pedra e vos abençoarei com um coração de carne.” (Ez 36.26). O Evangelho, que é o pano de fundo da profecia de Ezequiel dentro do universo da nova era redimida (olam habá) estabelece um novo paradigma emocional e sentimental que realinha decisivamente a maneira de se fluir as relações, um cotidiano do novo ser toma espaço de relevância banindo toda relação de perversidade e capilaridade, colocando em seu lugar a justiça do reino em sua materialidade e experimentação: “30 E não entristeçam o Espírito de Deus, no qual vocês foram selados para o dia da redenção. 31 Que não haja no meio de vocês qualquer amargura, indignação, ira, gritaria e blasfêmia, bem como qualquer maldade. 32 Pelo contrário, sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando uns aos outros, como também Deus, em Cristo, perdoou vocês.” (Ef 4.30-32). É como escreveu R.C. Sproul: Pertencer a Cristo envolve repudiar um vida velha e abraçar uma vida nova (Sproul-1999). Essa nova mudança integral é expressa implicitamente na expressão boas obras, no Catecismo de Heidelberg, um dos mais relevantes documentos reformados na sua pergunta 86:

- Se fomos libertados da nossa miséria somente pela graça através de Cristo, sem nenhum mérito nosso, por que então devemos praticar boas obras?

A resposta segue:

- Porque Cristo, tendo nos remido pelo Seu sangue, também nos renova por Seu Espírito Santo à Sua imagem para que, com toda a nossa vida, mostremo-nos gratos a Deus por Seus benefícios e para que Ele seja louvado por nós. Além disso, para que tenhamos a certeza da nossa fé por causa dos seus frutos, e que pelo novo viver piedoso possamos ganhar os nossos próximos para Cristo.

Cristo, ao nos redimir por meio de Seu precioso sangue, não apenas efetua nossa libertação do pecado, mas também realiza em nós uma renovação profunda por intermédio do Seu Espírito Santo, moldando-nos à Sua própria imagem. Essa obra contínua visa não apenas demonstrar nossa eterna gratidão a Deus pelos Seus incontáveis benefícios, mas também busca que, em todos os aspectos de nossa existência, possamos ser instrumentos de louvor ao Seu nome (As Três forma de Unidade das Igrejas Reformadas, São Paulo, SP, CLIRE,2016, P.71).

Assim, reverberando o forte ensino defluente desse poderoso documento reformado podemos assinalar que ao experimentarmos a certeza da nossa fé, manifestada de maneira tangível através dos frutos que brotam em nossa vida, envolvendo o intrincado de nossos pensamento e emoções somos fortalecidos em nossa convicção espiritual. Essa condição em nosso pensar e sentir não apenas confirmam a autenticidade de nossa experiencia de fé, mas também servem como testemunho vivo da transformação operada por Cristo em nosso interior. Como ensinou Karl Barth: Se nossa fé é real ela deve entrar necessariamente em nossa vida (Barth – 2006).

 

Conclusão

 

É claro que essa revolução holística não é um fim em si mesmo; ao contrário, é um meio pelo qual, ao abraçarmos um estilo de vida de fato piedoso (por ser realmente renovado) possamos impactar positivamente aqueles que nos rodeiam, ou seja, um propósito missional. O novo viver piedoso não apenas reflete a graça e o amor de Deus em nossa jornada, mas se torna um canal, um link através do qual podemos atrair outros para a experiencia da maravilhosa redenção encontrada em Cristo Jesus.

 

Portanto, somos chamados não apenas a receber a redenção pessoal, mas a viver de maneira a inspirar e conduzir nossos próximos a um encontro trans-migrante com o Salvador. Ou seja, essa renovação da nossa subjetividade promovida por Cristo não se restringe a aspectos individuais, mas se estende à comunidade, buscando não apenas nossa própria santificação, mas também a edificação do corpo de Cristo como um todo. SDG.

Rev. Dr. Marcus King Barbosa

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