A escatologia é o ramo da teologia que se detém no estudo das
questões relacionadas com as últimas coisas (escathón). O fim nestes dias de
nebulosidades políticas em escala mundial, caos social e (i)segurança
existencial desperta de per si no contemporâneo um vívido interesse,
notadamente no cristão.
Para ser bem franco esse interesse não é exclusividade
moderna, não é um fenômeno restrito a nossa época, já pode ser visto entre os
hebreus e Revelação antiga onde os navis (profetas) anunciavam um tempo (aion)
futuro em que Iavé haveria de por termo a toda injustiça e impiedade (olam habá)
e julgaria o mundo rebelde (olam hazé) com rigor e de forma definitiva (Jr
6.15;10.15; Sl80.16; 105.3, entre outros).
Na perspectiva do Novo Testamento esses últimos dias foram
inaugurados com a advento da primeira parousia (vinda) do messias, em sua
encarnação, vida, ministério e obra a nova era, o tempo de Deus (kairos) chegou,
surgiu temporalmente (At 2.16-17,33,36; Lc 1.46-55,68-79; Hb1.2; Gl 4.4, entre
outros).
Ainda segundo o NT o zênite dessa era redimida se dará no
advento da segunda parousia de Cristo em plenitude poder e glória (Mt 24.30).
Essa segunda visitação do verbo a esse mundo será precedida de inúmeros fatores
geopolíticos-históricos que por assim dizer formatarão às condições existenciais
para esse retorno e concomitantemente à vida humana nessa época.
Essas condições são o objeto de minha atenção neste texto,
visto que ela encarna as preocupações que atormentam o coração de cristãos e
não cristão, da mente religiosa e não religiosa, enfim.
De pronto quero tratar da primeira tese que consiste no fato
de que nos últimos tempos o mundo não irá melhorar, ao contrário irá piorar
consideravelmente.
Essa é uma afirmação que horroriza os espíritos mais
otimistas que convenhamos não são mais lá tantos assim! Mas sem disputa se
choca com todo o projeto programático e ideológico do discurso político ou
religioso que tem como seu material de trabalho,
seu conteúdo fundante a esperança no
progresso, bem-estar e felicidade do mundo por meio dos agenciamentos
institucionais, notadamente o político.
Bem, o Ap. Paulo contraria esse discurso alienante e
manipulativo delineando um futuro bem diverso desse suposto progresso, segundo
ele o fim dos tempos seria marcado indelevelmente por caos social , político e
existencial sem precedentes: É
importante para você saber isto também, Timóteo, que nos últimos dias vai ser
muito difícil ser servo de Cristo. 2 Porque as pessoas só amarão a si mesmas e
ao dinheiro; serão incapazes de se controlarem, orgulhosas, zombarão de Deus,
desobedecendo aos pais, sendo ingratas e completamente más. 3 Serão duras de
coração e nunca se submeterão aos outros; serão sempre mentirosas e
desordeiras, e não se incomodarão com a imoralidade. Serão rudes e cruéis, e
escarnecerão daqueles que procuram ser bons. 4 Serão traidoras dos seus amigos,
atrevidas, inchadas de orgulho, e preferirão ser amantes do prazer a amar a
Deus. (2 Tm 3.1-4). Parece até uma radiografia dos nossos dias , da nossa
cidade ou estado não acham?
E cada vez que esse caos ganha proporção midiática por
meio de um crime bárbaro, ou denuncia de corrupção de um agente público ou do
Estado de alto talante um pacote de ‘soluções’ pula da cartola da casa
legislativa ou do executivo por intermédio do governante de plantão renovando a esperança de dias melhores, de derrota definitiva
da violência urbana, dos conflitos de classe, da extinção do homicídio,
feminicidio, da pedofilia, enfim.
Não me entendam mal, não estou afirmando que não devemos
combater essas realidades, claro que devemos! Nem estou também dizendo que as políticas
publicas do Estado e governo não são necessárias e úteis, evidente que são. O
que estou sinalizando é que estas em seu conjunto não farão em sentido
escatológico o mundo melhor, ou seja, por mais que elas sejam efetivadas em
nível altíssimo (o que é raro) ainda assim não refreariam a escalada do mundo
para seu ultimato temporal, visto que temos também de inserir na equação os
planos divinos, e apropria realidade da pecaminosidade humana e sua retribuição
final.
A segunda tese é de que a igreja não vai melhorar o
mundo ela estará em profunda crise.
Inacreditável que aquela agencia que Jesus disse seria
luz e sal do mundo estará em uma posição derivante como um cometa errante. Isso
é embasbacante , sobretudo, no contexto de uma pregação triunfalista e ensino imperialista
da igreja na atualidade bastante assimétrico
ao que está sendo enunciado da revelação. Onde você está ouvindo que a igreja
estará em uma situação calamitosa (que já começa agora) no fim dos tempos? O
que temos ouvido não é completamente diverso? Então...
Sabe por que a igreja não conseguirá realizar a tarefa
transformadora do mundo encarregada pelos mestres, interpretes, pastores, em
resumo líderes de agora? Primeiro porque ela estará nos últimos dias
completamente desfigurada, alijada da fé genuína e errática quanto a Verdade: 3 Não vos deixes enganar de forma alguma,
por ninguém. Porquanto, antes daquele Dia virá a apostasia (2 Ts 2.3a).
Apostasia é um abandono consciente da fé e só pode, neste termos ser vivenciado
pela igreja, pelo menos em seu sentido institucional, visível e formal. William
Hendriksen afirma que o uso de
apostasia em 2 Ts 2.3 sem um adjunto coloca em realce o fato de que , de modo
geral, a igreja visível abandonará a fé genuína (Hendriksen – 2007).
Exatamente no ponto! Não é que não haverá uma igreja
(como alguns interpretes tentam indicar), haverá sim, mas será como se não
houvesse. O sal insípido sendo pisado pelos homens (Mt 5.13).
Em segundo lugar a igreja dos últimos dias estará ocupada
demais com as superficialidades, entretenimentos, revelações espúrias e
extracanônicas e todo tipo de novidade. Paulo chega ao limiar de enfatizar que
essa igreja temporal teria ódio (anéksontai)
da Verdade: 3 Porquanto, chegará o tempo
em que não suportarão o santo ensino; ao contrário, sentindo coceira nos
ouvidos, reunirão mestres para si mesmos, de acordo com suas próprias vontades.
4 Tais pessoas se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos.
(2 Tm 4.3-4). Em seu magistério João Calvino enfoca que, ao dizer que não
suportarão a sã doutrina, seu intento é indicar que não só se enfastiarão dela
ou a desprezarão, mas que realmente a odiarão; ele a qualifica de sã em função
de seu efeito em instruir-nos na piedade (Calvino – 2009). Essa hostilidade já chegou, está bem ativa em todos os rincões de nossa pátria.
A terceira tese é que o fim dos dias será tempo de
terríveis alternativas espirituais e renuncia de valores fundamentais.
Quando Paulo e Jesus falam do anticristo (pseudochristoi) o sentido é de uma
alternativa diversa da verdade trazida em plenitude pelo Cristo verdadeiro, da
Escritura. Essa em todos os casos é uma alternativa terrível, desastrosa, mas
pasmem será estupidamente viável nesses tempos tenebrosos, a porta larga que Cristo
profetizou! Agora indago: - Isso tem sido ensinado nas EBDs, nos Congressos de colheita, crescimento ou família? Vocês tem ouvido essa
mensagem, na boa? Ou estão ouvindo: - Paz, benção, prosperidade, milagre, entre outras
coisas?
Na verdade a religião como entendemos vai ser extinta
(algo que lá no fundo não é uma mal de todo) em seu lugar teremos um culto a
personalidade da Besta, o Leviatã, o anticristo (2 Ts 2.3b-4; 7-12; Ap 13.4-5).
Notem bem, não é só o cristianismo que será dizimado, mas qualquer tipo de
manifestação de religiosidade, exceto aqui for direcionada àquele mandatário
mundial. No roteiro fornecido pelo livro
das Revelações, o próprio Deus permitirá que esse império dos horrores
prevaleça e se estabeleça denso por um tempo (Ap 13.5-8).
Entretanto, não é apenas a manifestação histórica,
visível da igreja que será obliterada, mas os valores humanos mais caros e
fundamentais também serão extirpados do mundo. Isto quer dizer que regrediremos
para uma condição existencial pré-civilizatória, não teremos mais um Estado de
Direito e um pacto social hussouniano, o que teremos sim é um estado de
violação de direitos, uma condição generalizada de iniquidade, maldade e
desamor (Mt 24.10-12). O pacto social será substituído pelo Leviatã
hobisiniano, um governante autocrata, com 'leis' draconianas e despótica.
A quarta tese é que teremos uma agigantada crise
institucional nos últimos dias.
A ascensão do governo bestial-leviatânico é incompatível
com qualquer tipo de instituição que tenha esboço, verniz ou lastro
democrático. Democracia e autocracia são antinomias irreconciliáveis, portanto,
todo governo maculado pelos marcadores
do absolutismo e o despotismo monárquico se chocará violentamente com as
instituições democrática podendo apenas prevalecer um.
Dai que é exatamente isso que irá ocorrer sendo que
temporariamente o absolutismo do Maitrea irá sagra-se vencedor. O compromisso
do seu reinado será com a destruição, a perversão de valores e a corrupção das
coisas criadas por Deus. Não é então sem motivos que a Escritura irá qualificar
esse líder ‘supremo’ de o iníquo (anomos, lit. contrario a lei), o homem
do pecado (antrwpos tês hamartias) e
o filho da perdição ( hyois tês apwleias).
Qual resultado de um tipo de governo dessa natureza? O
resultado é que a vida institucional será banida a beira da
aniquilação, além do mais será instalado o estado de vigilância e controle
repressivo (panóptico) constante e asfixiante, simbolizados na marca da besta
(Ap 13.16-17).
Portanto, família,
justiça, Estado, enfim, serão empecilhos que esse governo com poder advindo do
Dragão vermelho retirará pelo exercício do mix de poderio bélico e
sobrenaturalismo agenciado pelo falso profeta (Mt 24.24;Ap 13.11-15; 2 Ts
2.9-12). É óbvio que esse império está em nosso dias muito além do mero esboço
estruturante e isso é claro quando observamos o desmonte das instituições, o
aparelhamento do Estado pela corrupção, o fisiologismo da atividade política,
mas também das próprias relações, a disseminação da injustiça e amoralidade, a
busca frenética por um Übermasch (super-homem) nos termos da filosofia nietzchieniana
que salve o mundo...
Ademais o que irá prevalecer como foco de resistência será
a fé comunal esposada na conexão dos discípulos que por meio do compromisso inarredável com a
Verdade e o exercício simples de fé no e
do Evangelho de Jesus, que como tais serão os agentes de confronto e subversão
no apogeu do reinado ilegítimo das bestas apocalípticas, o que em algum sentido tem haver com os 144 mil que são
descritos simbólico-profeticamente na Revelação: 3 Entoavam um cântico novo, diante do trono e perante os quatro seres
viventes e dos anciãos; e ninguém podia aprender o cântico, a não ser os cento
e quarenta e quatro mil que haviam sido comprados da terra. ( Ap 14.3).
Paulo também traça as características desse pequeno contingente de militantes
da Verdade atuantes nos últimos tempos, fora da jurisdição do institucionalismo
na pessoa de Timóteo: 1 Eu te encorajo solenemente, na presença
de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, por ocasião
da sua manifestação pessoal e mediante seu Reino: 2 Prega a Palavra, insiste a
tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e encoraja com toda paciência e sã
doutrina. 3 Porquanto, chegará o tempo em que não suportarão o santo ensino; ao
contrário, sentindo coceira nos ouvidos, reunirão mestres para si mesmos, de
acordo com suas próprias vontades. 4 Tais pessoas se recusarão a dar ouvidos à
verdade, voltando-se para os mitos.5 Tu, no entanto, sê equilibrado em tudo,
suporta os sofrimentos, faze a obra de um evangelista e cumpre teu ministério (2 Tm 4.2-5).
Neste ponto cumpri terminarmos destacando que avaliando
o que foi enfatizado até aqui esse fim dos tempos, esse estado de coisas última
não está tão longe afinal. Pelo que temos visto, ouvido, brevemente essas
situações concretas serão realidades acachapantes sobre o mundo e claro, sobre
a igreja (Ap 7.13-17).
Desse modo urge que em primeiro lugar cumpramos nossa vocação celeste que passa pela
rejeição absoluta de toda distração e desvios de rota que tem apresentado uma
igreja visível claudicante quanto ao seu papel referencial e testemunhante da
Verdade. Em segundo coloquemo-nos como
agentes de resistência desde já e passemos por meio do ensino sólido da Verdade
esse status para as futuras gerações para que tenhamos os remanescentes nesses
tempos de apostasia e promiscuidade espiritual. Que o Eterno nos ajude. SDG
Rev. Marcuk Barbosa – Psicanalista Clínico, Teólogo,
Filósofo da cultura e Discípulo de Jesus
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