A lei divina surgi na experiência humana como medida de Deus para conduzir suas criaturas morais nos oceanos e mares de sua vontade projetiva e soberana dentro do contexto histórico temporal estabelecido na criação cósmica, notadamente na formação humana (Adam) a sua imagem e semelhança. Essa formação lhes concedeu poderes racionais e morais e status regencial sobre esse cosmos criado (Gn 1.26-30). Ou seja, Deus criou o homem como um agente moral sob a regência de uma lei moral inalienável que submete a sua consciência quanto a necessidade de obedece-lo.
Desse modo parto, a priori, da
necessidade do uso da lei como um guia para a vida do discípulo desde de sua
experiência inicial, a saber, seu novo nascimento (Jo 3.3-5) até o
desfloramento de sua nova existência na comunidade espiritual da fé, através da
santificação ou transformação existencial que é levada a seu termo por sucessivas
experimentações da glória de Cristo por meio de uma parceria ativa e gloriosa com
Espírito que molda nos discípulos (mathêtes, talmidim) a imagem do seu
Mestre: 16 Mas sempre que alguém se
volta de seus pecados para o Senhor,4 o véu é retirado. 17 O Senhor é o
Espírito que lhes concede a vida, e onde está o Espírito, aí há liberdade. 18 E
todos nós, no entanto, não temos um véu sobre nosso rosto e podemos ser
espelhos que refletem claramente a glória do Senhor. À medida que o Espírito do
Senhor trabalha dentro de nós, somos transformados com glória cada vez maior, e
tornamo-nos mais e mais semelhantes a ele. (2 Co
3.17-18).
Portanto, essa lei tem natureza
constitutiva e dinamicamente santificadora e nessa condição, absolutamente
relevante para a vida do discípulo e no mesmo folego para um discipulado
eficiente e produtivo. Isso porque sua origem é espiritual, sua natureza e
pessoal, seu alcance é interior fundada na base mais profunda da consciência, o
que nos deixa mais que claro o apóstolo aos gentios ao destacar sua
presença no coração humano, gravada na alma(grapton en tais kardíais)
como poderoso guia existencioespiritual: 14 De fato, quando os gentios que não têm
Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos,
muito embora não possuam a Lei; 15 pois demonstram claramente que os
mandamentos da Lei estão gravados em seu coração. E disso dão testemunho a sua
própria consciência e seus pensamentos, algumas vezes os acusando, em outros
momentos lhe servindo por defesa. 16 Todos esses fatos serão observados na
humanidade, no dia em que Deus julgar os segredos dos homens, por intermédio de
Jesus Cristo, de acordo com as declarações do meu Evangelho. (Rm 2.14-16). Então fica claro
que a lei foi revelada na natureza humana de modo tal que nem a queda conseguiu
extirpá-la. De fato, essa lei é parte do dote de Adão a sua posteridade por
ocasião da sua criação a Imago Dei (imagem de Deus). Por isso fica evidente que
ela fora um paradigma para dirigir a existência do homem antes da queda na sua
relação com Deus, e permanece como referência, mesmo que agora insuficiente,
para explicitar tanto o seu caráter e vontade, como às exigências morais e
nossos deveres e responsabilidades existenciais perante ele. É como destacou
Ernest Kevan: Alei de Deus ainda permanece como uma regra e diretriz para a vida
do crente e o homem piedoso se compraz nele (Kevan-2000)
Dessa forma a lei de Deus é uma
realidade que se estabelece no próprio contexto existencial humana muito antes
de sua manifestação histórica, formal na dispensação pactual mosaica. Que de
passagem não possui o tônus salvífico que muitos tentam imprimir nela, visto
que a rigor a salvação na velha aliança continuava sendo por remissão (tipologicamente)
acontecia no Yom Hakipurim (Lv
16.3-10; 23.26-32; 25.9; Hb 9.22) este sim instrumento histórico onde a nação
eleita era salvo pelo messias, não através da lei que mesmo nesse tempo não
tinha mais a eficácia ou poder, simplesmente por conta da natureza caída do homem
como Paulo retrata talentosamente (Rm 7.11-14).
Daí dá para perceber que temos
duas posições totalmente polarizadas e antagônicas que ao meu sentir são
abordagens deficiente e do ponto de vista da técnica teológica mais depurada
uma caricatura quase sórdida da revelação de Deus no que concerne ao uso ou não
da lei.
A primeira linha demarcatória se
dá em adotar a realidade totalitária da lei como mestra da vida, incluindo ai o
aspecto soteriológico; isto é, sem a lei não se tem nada inclusive ou sobretudo
a salvação. A segunda linha se apresenta no desprezo de toda a presença e
aspectos da lei, não percebendo nela nenhum tipo de significado ou pertinência
para o ser humano, muito menos para os discípulos de Cristo.
Entendo que ambas as posições
teóricas pecam por seu extremismo e por força disso impõe uma terceira via (tertium datur) mais equilibrada e
adequadamente escriturística. E aqui está o ponto nevrálgico: como a lei pode
nos orientar em nosso relacionamento com Deus e com o outro, sendo mais que
apenas uma ritualidade esvaziada de realidade, como sensivelmente destacou o Pr
Isaltino Gomes Coelho Filho: Esta é a questão – como os Dez Mandamentos nos
orientam em nosso relacionamento com Deus e com o próximo, sendo mais que
apenas uma agenda religiosa a cumprir (Filho - 2003).
Essa posição reconhece em
primeiro plano que a lei na nova aliança perdeu seu apelo e demanda salvífica
frente ao kerigma (mensagem) do Evangelho, por conta da fé na graça salvadora
de Jesus (Gl 2.19-21; Rm 10.4). Porém, não se alienou por completo por conta
disso, mas serve ao ministério do Espírito em duas frentes decisivas, a
saber: em primeiro lugar, o convencimento
da consciência e o terror da condenação na alma humana que a direciona para a
graça do Evangelho em Jesus, esse é o uso teológico da lei.
E em segundo plano ser um
compendio, um guia quanto a vontade de Deus e nesse sentido sendo
um real instrumento para a santificação, contribuindo em muito para a santidade
dos discípulos e a gloriosa apreensão por estes da santa, boa, agradável e
eterna vontade de Deus. Sobre isso escreveu Michael Horton em seu livro, Doutrina da Fé Cristã: É evidente que
a lei também guia, da mesma maneira que o evangelho também instrui. No entanto,
primeiro ela deve extirpar toda a nossa esperança de viver pela nossa
obediência pessoal (Horton – 2016).
De modo que são esses dois usos
da lei que compreendo dento da minha hermenêutica teológica como efetivos e
contemporâneos para a consecução da obra redentiva da trindade, tanto na esfera
salvadora ao ser uma inigualável acusadora da consciência e sua falência
salvífica por conta do pecado, como na esfera santificadora sendo um estupendo
direcionador da alma e consciência ética do discípulo rumo a satisfação
progressiva da vontade de Deus que o Espírito utiliza com eficiência e poder. Na
verdade, o próprio Cristo foi taxativo em ficar o papel da lei na sua comunidade
de discípulos, ao dizer que o descumprimento deles (mandamentos) traria prejuízo
espiritual para os integrantes do reino: 17
Não penseis que vim destruir a Lei ou os Profetas. Eu não vim para anular, mas
para cumprir.18 Com toda a certeza vos afirmo que, até que os céus e a terra
passem, nem um i ou o mínimo traço se omitirá da Lei até que tudo se cumpra.19
Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos
homens será chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os cumprir e
ensinar será chamado grande no Reino dos Céus. (Mt 5.17-19).
Desse jeito, fica explicitado que
todo relacionamento se dá no tecido existencial do novo pacto (kainê
diathekê) e toda a existência humana deve ser vivenciada a partir desse
desiderato teleológico onde a lei tem papel instrutivo fundamental. Portanto, o
uso efetivo, laboral e a aplicação experimental da lei é uma benção indispensável
e urgente para a vida da comunidade espiritual de Jesus manifestando seu real
amor por ele (Jo 14.15,21) e não pode ser negligenciada sob pena de perdemos o
bode da direção à plena satisfação em Deus e o próprio sentido da Redenção. SDG.
Rev. Dr. Prof. Antonio Marcus
Barbosa
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