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O que é realmente ser livre?


Se fizermos uma avaliação desapaixonada (se isso é possível) veremos claramente que estamos em uma oceânica e grave crise de polarização. E ao tratar disso estou indo bem além do âmbito político. Fato é que temos extremos não apenas nesse índice do catálogo, mas na própria existência em sua inteireza e totalidade. Esse dualismo newtoniano criou uma profunda distorção de percepção que elucida, se não absolutamente, quase todas nossas crises atuais.

Agora não é tão difícil perceber essa polarização sistêmica, por exemplo, na psicologia da determinação, das escolhas. Aqui visualizamos limpidamente o contraste entre determinismo e autodeterminação. Qual a problemática existente nisso? Simples, esse cartesianismo não explica o sistema intricado e integrado que caracteriza nossa identidade onde o determinismo e o livre-arbítrio transitam, correlacionam e coexistem sem disputas constitutivas.

Essa polarização elege elementos pivotais que devemos fugir a todo custo. Não devemos absorvem esse quadro psicodélico, essa leitura cartesiana minimalista e por fim, reducionista de nós mesmos.

Fato é que se quisermos compreender de verdade a complexidade de nosso psiquismo como sede galvanizada de nossas decisões e relacionamentos é impositivo que discirnamos o holismo que ela está mergulhada, determinado pela interação sistêmica que engolfa nosso ego, hereditarismo e nossas interações formativas.

Note bem, é dessa rede holística que se processa (usando um vocabulário meio junguiniano) tanto nosso para-si como nosso em-si como nosso ser-com. Falando de outro modo, é a realidade sistêmica do nosso ser que embarga qualquer assentamento jurisdicional meritório da polarização: determinismo x livre-arbítrio.

Na verdade, quanto mais insistimos e tentamos viver uma dessas proposta polarizadas nos tornamos vítimas e subalternos do hereditarismo dominador, interações ideológicas e desejos viciantes. Isso sim, essa teia viscosa e pegajosa que suscita o de pior dentro da gente, ou seja, em nosso coração, pensamentos e consciência. Admitir essa polarização como realidade de nosso existir é trilhar em caráter desastroso o fracasso existencial. O que deveríamos fazer em sentido reverso, oposto é assumir a visão holística, sistêmica de nossa realidade, discernir a complexidade de quem somos e peregrinar a via de sucessivas transmutações processuais e continuas. Precisamos sim, mergulharmos penetrantemente no oceano curador de autoaceitação de quem somos, não de quem gostaríamos de ser e nos livrarmos definitivamente dos pesadelos provenientes de nossos abandonos e abusos que definitivamente ficaram no nosso passado para a luz perene que dissipa todas as sombras...

Dr. Marcus King Barbosa – Psicanalista Clínico, Psicoterapeuta, Neuropsicólogo e Filósofo


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