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 Paz existencial

Nada é tão desejado pela alma humana do que a paz. Esse anseio é fruto da condição transtornada que a alienação (pecado) lançou a humanidade. Ser pecador coloca o homem sobre a artilharia lancinante dos conflitos e da culpa e isso imprime um profundo desejo por paz em suas dimensões mais amplas: interior, emocional, relacional...

Nessa toada é correto dizer que é possível ter um paz que é resultado de vários fatores puramente humanos, como por exemplo, a paz que é consequência do término de uma guerra, ou a paz que resulta de pagar uma dívida que nos oprimia, ou ainda a paz que é decorrente da reconciliação com um adversário, enfim. Quem de certa maneira já não experimentou esse tipo de reação?

Entretanto, estou me reportando a um tipo de paz (shalom, eirênê) que é proveniente de outra agência, a divina, que brota da ingerência de Deus e tem um efeito tão amplo que abarca a existência humana em sua totalidade, estou me referindo a paz existencial. Mas o que é a essa paz? É o desdobramento da obra redentora que Deus realizou por meio de Jesus na vida humana em seu sentido holístico envolvendo em primeiro plano a relação com Deus e então progredindo para a relação consigo mesmo e se expandindo para com as interações com o outro. 

Entendendo a natureza dessa paz precisamos indagar como ela ocorre? A paz existencial é produto da obra sacrificial de Jesus que pela fé na graça divina nos justifica perante Deus solucionando nossa dívida: “1 Portanto, havendo sido justificados pela fé, temos paz com Deus, por meio do nosso Senhor Jesus Cristo, 2 por intermédio de quem obtivemos pleno acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmados, e nos gloriamos na confiança plena da glória de Deus” (Rm 5.1-2). Sobre essa paz que Jesus nos facultou em sua morte escreveu o pastor Glênio F. Paranaguá: A paz com Deus é o resultado da obra vicária de Cristo em benefício do pecador. Se o pecado é a causa da separação entre Deus e o ser humano, só a justificação do pecador facultada por Cristo permitirá a reconciliação dos dois de modo satisfatório (Paranaguá – 2008, p.59-60). Em outro lugar Jesus afirma que a paz era uma realidade que ele daria como dádiva aos seus discípulos (Jo 14. 27). Sendo que um fator que dá maior sentido para essa declaração de Jesus é que no velho testamento ele é qualificado como o príncipe da paz (Is 9.6).

Continuando podemos afirmar que a paz existencial é materialmente produzida pelo cultivo que o Espírito realiza em nosso interior, ou seja, a produção do seu fruto que identifica os seguidores de Jesus e marca indelevelmente a maneira como esses vivem o ethos (valores) do reino de Deus em seus relacionamentos: “22 Mas o Espírito produz este fruto: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, 23 mansidão e domínio próprio. Não há lei contra essas coisas! 24 Aqueles que pertencem a Cristo Jesus crucificaram as paixões e os desejos de sua natureza humana. 25 Uma vez que vivemos pelo Espírito, sigamos a direção do Espírito em todas as áreas de nossa vida” (Gl 5.22-25). Segundo pastor Isaltino Gomes Coelho Filho: O Espírito age para termos paz e vivermos em paz (Filho -2013, p.76).

Por fim, queria dizer que a paz existencial se exterioriza na atitude de absoluta confiança que o discípulo experimenta na direção cuidado e intervenções providencias de Deus em sua vida e que se materializa na vivencia de um equilíbrio mental e emocional extraordinário: “6 Não vivam preocupados com coisa alguma; em vez disso, orem a Deus pedindo aquilo de que precisam e agradecendo-lhe por tudo que ele já fez. 7 Então vocês experimentarão a paz de Deus, que excede todo entendimento e que guardará seu coração e sua mente em Cristo Jesus.” (Fp 4.6-7). Escrevendo sobre esses efeitos da paz que brota de uma vida de completa confiança salientou Christopher J.H. Wright: Essa não é uma simples atitude indiferente ou despreocupada. Antes, é uma firme confiança no cuidado paterno de Deus e uma recusa constante de dar lugar às ansiedades. É um ato de volição, em que escolhemos não nos preocupar, mas orar e confiar em Deus (Wright – 2016, p.67). Aqui fica explicito a importância de se viver a paz existencial. E não é possível vive-la sem uma relação adequada com o Deus trino que acontece por meio da fé em Jesus e na sua obra sacrificial por nós na cruz. Pense nisto. SDG.

Rev. Marcus King Barbosa

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