Recentemente
assisti há um filme que me deixou produtivamente incomodado – Encontrando
Forrester, esse filme capturou minha atenção, me deixando de fôlego suspenso
até seu fantástico epílogo.
Passada a excitação do final grandiloquente. Fui arrebatado por um incrível desejo de compartilhar de algumas ideologias presentes nesse filme que penso eu, são ideais para a construção do sujeito.
Encontrando Forrester trata do encontro de William Forrester (Sean Connery) um escritor que escreveu um livro a 40 anos ganhando o prêmio Pulitzer, que por conta de uma tragédia pessoal pára de escrever se torna recluso num apartamento do Bronx, sem família e esperança. E Jamal um estudante com o raro dom da escrita e uma mente vivaz e prodigiosa memória, mas, entretanto, paralisado pela falta de entusiasmo, recursos e preconceito, que por conta de sua rara habilidade como jogador de basquete ganha uma bolsa de estudos em uma afamada escola de Manhattan.
O encontro inusitado destes dois interessantes personagens se dá quando por meio de uma aposta os amigos de Jamal, fazem-no entrar no apartamento de Forrester. Daí então, se consolida uma amizade que vai construir um vínculo que alterará definitivamente o mundo existencial de ambos.
Sim, retornando as minhas elucubrações, percebi no filme de modo prioritário duas verdades dorsais que com certeza são promotoras de valores que tem se perdido de um modo vertiginoso e que admiravelmente perpassa todo o filme, quais são essas verdades que quero apresentá-las como ferramenta de reflexão?
O INTELECTO É INSUFICIENTE PARA RETIRAR O SER DA RECLUSÃO DA CULPA E DECEPÇÃO COM A FEIÚRA DA EXISTÊNCIA CAÍDA
Essa é uma ideologia das boas, com alto poder corrosivo e subversor, a proposta é clara, a mente arguta, bem educada e crítica de William Forrester foi impotente para fazê-lo sair de seu exílio auto-imposto na ilha da frustração, foi inapta para qualificá-lo para superar a culpa e a desilusão abissal. Um golpe duro no ainda presente (mesmo nessa tendência igualmente perversa de subjetivismo encontrado na pós-modernidade) no projeto iluminista da supremacia da razão, de sua onipotência e suficiência.
Notem algo, muita gente ainda acredita e credita à razão, pensado em termos de racionalidade e intelectualismo o condão para resolver todos os males da humanidade em todos os níveis de complexidade em todo o grau de comprometimento.
Bem, parece que no filme o aprisionamento de Forrester é uma nota de protesto a essa leitura supervalorizadora dos recursos e poder da racionalidade. Tem mais, esse protesto não é solitário, a própria Escritura engrossa a passeata de protestos! Por quê? Pelo simples fato de que ela compreende a mente como afetada pelo pecado e todo seu exercício comprometido por esse vírus fatal, responsável pelo processo de alienação do pensar, tornando-o fantasmagórico: “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem.” (Rm 1.28-32).
Vejam bem, esse processo de comprometimento da mente tem efeitos até mesmo físicos, que podem ser comprovados tanto nas somatizações, como no efeito nocebo ou autosugestão nociva,como coloca a doutora Helen Pilcher: “Da mesma forma que a sugestão é capaz de beneficiar a saúde, o efeito de “gêmeo mau” do placebo, pode levar pessoas a adoecer gravemente; em alguns casos, a convicção de morte iminente conduz de fato a esse desfecho”.
Daí que a mente nessa condição não tem como salvar da prisão o pobre do Forrester, como libertar um cativo sendo refém tanto das paixões deliciosamente destrutivas, como das garras afiadas do egocentrismo viciante que em todos os sentidos possíveis perverte o sujeito? Penso que a pena de Albert Camus pode ser uma ilustração gráfica desse ponto: “Vivia, pois, sem outra continuidade no dia-a-dia, que não fosse à do eu-eu-eu. No dia-a-dia, as mulheres; no dia-a-dia, virtude ou o vício; no dia-a-dia como cães, mas todos os dias, eu próprio, firme no posto” (Camus – 1960, p.39).
A bíblia designa esse triste quadro de morte espiritual, ou se preferirem, desproposito existencial: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.” (Ef 2.1-3).
Essa declaração paulina dos terríveis efeitos noéticos da morte espiritual que paralisa a beleza e dinamismo da existência é dramatizada vividamente no dilema emocional de William Forrester.
O PODER DECISIVAMENTE CURADOR DA RELAÇÃO BASEADA NA AFETIVIDADE GRATUITA E INCONDICIONAL
Essa é uma surpreendente ideologia presente no filme, surpreendente? Sim, nesses tempos de predatorismo relacional, vampirismo nas relações, de consumismo, que olha o Outro como refeição, escadaria, oportunidade, promotora da bestialidade na existência, é gratificante e esperançoso assistir um filme onde o relacionamento contraria essa poderosa vertente antiSer, me emocionei a medida em que via a maturação de um interagir dialógico, orgânico, incondicional, espontâneo que vai fluindo e no seu passar vai arrastando o velho William de volta ao ar puro, saindo da atmosfera asfixiante do ressentimento e da amargura fazendo uma faxina de paz e restauração. E sabe do que mais, enquanto o filme ia se desenrolando eu vi outro filme passando em minha cabeça, com outros personagens, em outro cenário, mas com o mesmo efeito restaurador, estou me referindo à redenção, a Cristo, o Calvário e o impulso de amor divinamente gracioso em busca do aprisionado...
Na verdade, fica claro que não foi o brilhantismo intelectual que salvou Forrester, mas o coração pulsante e impregnado de vida de Jamal!Portanto, não é a disciplina da razão (nem tão pouco a irracionalidade do emocionalismo), não é o poder do intelecto que poderá livrar a humanidade do cárcere imposto pela revolta espiritual (ou se preferirem pecado), mas o balé da relação irresistivelmente incondicional, graciosa e a coragem de Ser-no-e-para-o-Outro, pois, como afirma Buber: “O Ser humano se torna Eu pela relação com o você, a medida em que me torno Eu digo você,todo viver real é encontro” (Buber).
De fato, todo viver e relacionamento, o que também é uma verdade teológica, haja vista, que a salvação nada mais é que encontro, ou melhor, reencontro do Criador/redentor com sua criação caída/redimida, totalmente desvirtuada e distanciada, mas em Cristo preparada para construir relacionamento sadios, sinceros e autênticos.
Esse encontro de Forrester com Jamal pode bem ser uma linda metáfora para o encontro dos Forresters enclausurados em seu universo de desesperança e melancolia com o Jamal celestial e redentor do Bronx do Calvário: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mt 11.28-30). O convite já foi feito o encontro marcado, vai perder?
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