Uma das maiores
conquistas da modernidade liquida foi à descoberta do protagonismo das emoções
nas multivariadas crises que a assolam. Quer em nível pessoal como social,
tanto em dimensão relacional como existencial. Dentro do emaranhado complexo de
emoções que contribuem para vitalizar esses intensos problemas existenciais
está o transtorno de ansiedade, que infelizmente nos últimos tempos adquiriu
uma condição de projeção e densidade em tal magnitude que muitos começam a falar
de uma ‘Era da ansiedade’.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 20%
da população dos grandes centros urbanos estará exposta a algum tipo de
variação desse transtorno. O prognóstico diria, parafraseando Lya Luft é
sombrio.
Dentro das variações que compõe o universo do transtorno
de ansiedade quero particularizar o stress. Nesse ponto, pode surgir a seguinte
indagação: Por que o stress? Simplesmente pelo fato de que, com toda razão, o
stress tornou-se uma epidemia de proporções mundiais, como afirma sem reservas
Glaucia Leal “Vivemos em
tempo de excessos. De informações, demandas e prazos a serem cumpridos, apelos
publicitários, formas, cores. Excessos que na maioria das vezes camuflam faltas
com as quais tememos nos confrontar. No mercado de trabalho, os constantes
desafios e as rápidas mudanças contribuem para o surgimento da epidemia das
doenças emocionais”.
De fato, as demandas improrrogáveis da existência, as
sobrecargas brutalmente estabelecidas pelas cobranças e autocobranças de ajustes
aos padrões socialmente impostos (que exige a gestão continua de imagem), a
exaustão pelos excessos indeclináveis de compromissos, as exigências pulsionais,
em conjunto tem infligido uma experiência ao homem de insegurança, angustia e
desespero tornando o stress um inimigo real, poderoso e perigosíssimo.
Começando
com uma definição
Para darmos
continuidade à abordagem sobre o stress é inadiável deixar claro o seu
significado conceitual. A palavra stress deriva-se do inglês medieval distrese e significa ser puxado
para um e outro lado ou ser esticado totalmente. Originalmente funcionava como
um mecanismo de preparação para à ação deixava o organismo em estado de alerta
e equipado para enfrentar os riscos e desafios que se apresentassem, ou seja,
fugir ou lutar. O cérebro começava a funcionar a pleno vapor, os sentidos eram
tonificados, a adrenalina e cortisol liberados em carga máxima. Isso quer dizer
que certo nível de stress é até desejável,
porque nos mantém física e mentalmente prontos para agir.
O homem primitivo conhecia muito bem essa sensação e
efeitos do stress, dele dependia a absolutamente a sua sobrevivência, porém,
diferentemente de nós, esse sabia relaxar, desligar a chave ao passar o perigo
imediato. Para nossos ancestrais o stress tinha funcionalismo, objetivo e foco
especifico. Tristemente, na atualidade ele se tornou uma metralhadora sem
alvo. Foi sobre essa incidência
indiscriminada do stress que escreveu o chefe da seção de psiquiatria e
psicoterapia do hospital Asklépio em Hamburgo, Alemanha Drº Michael
Sadne-Chirazi-Stark “O
stress hoje se transformou em um mecanismo cego. O programa biológico de defesa
que protegia Ötzi dos lobos tornou-se ele mesmo um lobo feroz. A energia
liberada não encontra mais alvo, ela é desencadeada sem objetivo e muitas vezes
se volta justamente contra aquele que deveria auxiliar agredindo-o
implacavelmente”.
Stress
e atividade profissional
Do que foi colocado
deduz-se que o stress, visto em si mesmo não é o problema; ao contrário, fica
mais que patente que certo nível básico, designado “stress positivo” é
importante porque nos mantém ativos e preparados. Entretanto, a exposição
continuada e sistemática pode trazer terríveis males transformando o stress em
uma enorme ameaça.
Essa condição explicitamente ameaçadora por parte do
stress vem sendo presente em uma esfera comum a todos nós que é a profissional.
Isso por conta dos muitos prazos (muitos deles desarrazoáveis), demandas cada
vez mais complexas, necessidade de domínio das intensas mudanças tecnológicas, submissão
as desgastantes avaliações de desempenho e o nível nem sempre satisfatório de
relacionamento no ambiente laboral. A doutora Maria Inês reconheceu essa
presença indesejável do stress na atmosfera profissional ao avaliar a profissão
docente “A docência é, segundo apontam alguns
pesquisadores, uma das profissões que mais causa desgaste emocional. Este
trabalho que poderia ser uma fonte de realização pessoal e profissional
torna-se penoso, frustrante e todas as situações novas que poderiam servir como
uma motivação passa a ser uma ameaça temida e, portanto, evitada. Os mecanismos
de defesa psicológica surgem como uma estratégia do próprio organismo que se
resguarda das adversidades”. Isso é tão grave (ou deveria
ser), que, por exemplo, como consignou a pesquisadora Diane Krumm, no Japão,
empresas podem ser obrigadas a indenizar as famílias de funcionários que
morrerem por problemas de saúde em decorrência da sobrecarga de trabalho.
É possível afirmar que atividade profissional, do ponto
de vista de produção de stress é um caldeirão transbordando para todo lado.
Esse transbordamento tem produzido, o que os estudiosos nomearam de síndrome de
Bornout, esse nome se deve a expressão inglesa: to burn out – queimar por completo. Foi descoberta pelo
psicanalista nova-iorquino: Herbert J. Freudenberger, que ao analisar certos
sintomas de muito cansaço e apatia na sua atividade profissional, percebeu serem
esses também comuns a muitos dos seus colegas. Ao se voltar e examinar outras
profissões constatou os mesmos problemas: distúrbio do sono, dificuldade de
concentração, oscilação frenética do humor, associados muitas vezes, com
sintomas físicos como: dor de cabeça e desarranjo intestinal. Após a
descoberta, bornout ficou definido como um estado
de esgotamento físico e mental causado pela atividade profissional.
Bornout como filho do stress profissional afeta
sensivelmente o
desempenho, a concentração, a criatividade e a memoria.
Sendo em todos os casos uma advertência gritante a ambientes profissionais
marcados pela dinâmica do stress. E não apenas isso, o grande descontentamento
consigo mesmo provocado por essa enfermidade causa graves prejuízos para a
estima, assolando suas vitimas com o complexo de inferioridade e medo de
fracassar, não raro o fundo do poço chega com as lamentáveis tentativas de
suicídio.
O quadro é grave porem, subestimado, quer por falta de diagnóstico preciso,
quer pelo fato de que os afetados pela síndrome, por não perceberem a sua grave
situação partem
para a automedicação, sem procurar ajuda clinica ou
psicológica.
Stress
e frustração
Outra geratriz do
stress é a continua atitude subjetiva (com desdobramentos objetivos e
concretos) de insatisfação consigo mesmo e a própria existência. Essa reação
psicológica é uma combinação de vários fatores: a) - A busca incessante por altos
níveis de realização pessoal; b) - Expectativas exageradas e estereotipadas dos
relacionamentos; c) - Índices desvairados de desempenho existencial.
Quero dizer com
isso que a forma idealizada e perfeccionista de conceber uma vida exitosa tem
feito com que muita gente na modernidade líquida experimente um processo
patológico de sensação de mutilação
psíquica, de completo deploramento de si mesmo, ao mesmo tempo
em que tentam agenciar a felicidade em termos de realidade material: dinheiro,
fama e sucesso. Esse fenômeno, não é ocasional mais segundo Zygmunt Bauman é
uma característica da liquidez dessa era que vivemos: “Não importa a intensidade com que se
concentre no objeto do desejo. O olho do consumidor não deixa de dar uma olhada
no valor da mercadoria do sujeito que deseja. Vida liquida significa constante autoexame,
autocritica e autocensura. A vida liquida alimenta a insatisfação do eu consigo
mesmo” (Bauman,
Zigmunt, SP, Zahar, 2007, p.19).
Esse direcionamento da existência, essa maneira adoecida
de ler a realidade vivencial, lança o homem num turbilhão pulsional de ambição
intensa por sempre ser o melhor, de atingir sempre os maiores e mais elevados
níveis consumindo assim, até as últimas reservas os seus recursos pessoais e
psíquicos. Não restando mais nada para reequilibrar, se alguma coisa não sair
do jeito esperado. Isso pode ser demostrado, numa uma pesquisa feita pela
Universidade de Michigan, onde o desemprego é apontado como a segunda maior
fonte de stress para os brasileiros, perdendo só para a violência.
Essa
perspectiva foi firmemente denunciada pelo pesquisador Ulrich Kraft: “O desejo e a necessidade de ser sempre
o melhor levam essas pessoas a uma altura crescente na espiral do desempenho –
até o ponto em que não é possível subir mais. Então o sistema entre em colapso”.
Pior, digo eu, faz com que elas construam psicologicamente o mundo de modo utópico e simplista,
esquecendo que ele é um contrato de risco onde perder, falhar, se decepcionar,
se frustrar são clausulas inerentes, tornando o que conhecemos como viver
civilizado, algo que na maioria das vezes causa um profundo desconforto, que
Freud com a agudeza de seu gênio não deixou passar despercebido, mas ao contrário
tratou amplamente em seu livro, Mal-Estar
na Civilização: “O
que chamamos de nossa civilização é em grande parte responsável por nossa desgraça”
(Freud, Sigmund, RJ, Imago, VL XXI, p.93). Nem tão pouco Dostoievski que com a
poesia de sua erudição coloca essa revolta, esse precipitar furioso e
desembestado contra o mundo no discurso de Aliocha, no seu famoso romance, Os Irmãos Karamazov: “Não me revolto contra meu Deus, só não
aceito o seu mundo”.
Portanto, ao rejeitar esses aspectos intrínsecos da existência,
estes se colocam diante da vida, suas limitações, clausulas de barreiras,
dificuldades e contradições de uma maneira despreparada e desequipada. E como
força esmagadora e consequencial completamente expostos ao vírus do stress e
seus nefastos resultados.
Stress
e as doenças físicas
Durante a tentativa de
identificar e detectar os agenciamentos produtores do stress, dos responsáveis
por sua evolução, pelos vetores que o transformaram nesse agigantado vilão que
tem destruído vidas e sonhos, passei ao largo os seus efeitos mais perceptivos
e somáticos. Isto porque queria trata-lo com mais atenção que é exatamente o que
farei a partir de agora.
O stress como colado em sua definição é uma resposta do
organismo a uma situação de risco ou perigo. Essa resposta se dá ab initio no
córtex cerebral, por meio dá produção dos hormônios glicocorticoides que atuam
nos músculos, coração e pulmões, literalmente empurrando o corpo ao ‘combate’. A dificuldade com isto é que se a situação
de tensão é corriqueira o organismo não consegue administrar a excessiva
quantidade de hormônios e o resultado são as doenças físicas. Na verdade, nenhum órgão permanece
incólume muito tempo aos agentes nocivos desencadeados pelo stress,
Afirma o médico Ulrich Kraf: “Fundamentalmente,
não há órgão do corpo humano no qual os agentes do stress não deixem sua marca.
É por isso que um sistema hormonal em permanente atividade é capaz de deflagrar
inúmeros males”.
Gostaria de insistir neste ponto: o stress sistemático é
sim veiculo de doenças das mais variadas.
As sucessivas descargas do stress podem danificar e debilitar seriamente a
saúde do corpo. Não estou sozinho nesse ponto, para Hermann Engler: “Acessos de raiva, ataques do coração,
enxaqueca, ulceras no estômago, síndrome do intestino irritável, perda de
cabelo nas mulheres – o stress é o culpado por todas essas doenças e por muitas
outras”.
Aqui é importante reconhecer que já vem um tempo que a psicossomática tem como
axioma, a íntima correspondência, interação e reciprocidade entre os universos
orgânicos e psicológicos. Uma boa ilustração disto foi à descoberta, de que
ferimentos cicatrizavam de maneira mais lenta em períodos de grande cansaço e
pressão emocional, feita por pesquisadores na Universidade de Ohio, em
Columbus, EUA.
Chegamos
ao fim
Chego ao final desse texto afirmando que é uma urgente
necessidade encararmos o stress com a devida consideração que uma terrível
epidemia poderia despertar, visto que ele é sim uma terrível, perigosa, sutil
pandemia. Sem sombra de dúvidas o stress é pano de fundo de muitas enfermidades
que estão lançando a sociedade em caos e conturbação.
Por isso, não pode
continuar sendo ignorado. Urge que essa mesma sociedade em seu sentido
totalitário reaja à altura deste endêmico mal que tem assolado inclementemente:
empregados, patrões, indivíduos e mesmo famílias, sem levar em conta: posição
social, raça, condição econômica, numa espécie de inclusão democrática às
avessas.
Essa reação da sociedade organizada ao stress deve
imperativamente passar primeiro pelo processo de esclarecimento sobre o seu
perigo, sintomas, detecção e forma de combate. Em segundo, a difusão e facilitação
de acesso às variadas terapias disponível, desde as psicoterápicas, ocupacionais
até as medicamentosas, que impedem os mecanismos de stress de manifestar-se.
Terceiro, Politicas governamentais afirmativas e de controle (no caso dos
sujeitos jurídicos de direito privado) que regulamentem melhorias sociais e
profissionais que abortem as dinâmicas formativas das reações que promovem o stress no trabalho.
Neste ponto que gostaria de deixar algumas dicas para
vencer ou preventivamente impedir que o stress seja uma realidade indesejável:
a) – Seja mais flexível no ambiente de trabalho e nos seus relacionamentos; b)
– Pense sempre positivo e adote uma postura positiva de vida; c) – Não se cobre
em demasia, não esqueça que na busca do ótimo, o bom pode ser esquecido e
muitas vezes é o que basta; d) – Cultive as amizades; e) – Cuide da
alimentação; f) – Pratique esporte; g) – Tente dormir no mínimo 8 horas
diárias; h) – Tente relaxar nos momentos difíceis e focar energia na solução. Soli Deo Gloria.
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