Quando Jesus adverte que a porta larga e o caminho amplo (Mt 7.13-14) atrairia um número imensurável de supostos discípulos ele estava tratando de algo sério e real. Do ponto de vista da ênfase dada estamos diante de uma realidade decisional em seu apelo ético, existencial em sua dinâmica orgânica e definitiva em seus resultados concretos, como destacou William Barclay: “É esta a decisão que Jesus põe diante dos homens nesta passagem. Há um caminho largo e fácil de transitar, e há muitos que o escolhem; mas o fim dos que andam por ele é a ruína. Há um caminho estreito e difícil, e muito poucos são os que vão por ele; mas o fim deste é a vida.” Portanto, que o que Cristo queria comunicar a sua comunidade de discípulos através dessas duas metáforas, da porta e do caminho era ultra relevante nas suas prioridades e agenda messiânica é fora de questão, mas qual era o propósito pedagógico dessa declaração retórico-profética para a sua comunidade espiritual? Penso que Cristo estava particularmente interessado em alertar sua igreja para algumas realidades históricas que irão afeta-la ao logo de sua trajetória e que no âmbito dessas metáforas ele enuncia no nível de três eixos didáticos:
1. Estar na igreja/instituição não significa em um movimento único e autômato estar na Igreja/corpo de Cristo
Fazer parte formal de uma instituição religiosa, evangélica não significa que se estar inserido no corpo de Cristo. Ao meu sentir a divisão teológica binária da igreja visível e igreja invisível deveria ser um antídoto suficiente para essa droga alucinógena do formalismo eclesiástico. Note bem, muitos que atualmente entulham as igrejas evangélicas fazem parte da multidão que transitam na porta larga e no caminho amplo são os que gritam entusiasticamente de domingo a domingo: - Senhor, Senhor! Mas que na vida cotidiana não materializam esse senhorio! E Deus sabe exatamente quem é quem nessa orbe vertiginosa, quem lhe pertence e está fugindo de toda essa apostasia e bagunça da grande Babilônia e seu cativeiro e os que são um embuste. Paulo deixa isso patente: 19 Contudo, o firme fundamento de Deus permanece inabalável e autenticado com esse selo: “O Senhor conhece os seus” e “Aparta-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”. 20 Numa grande casa há vasos não somente de ouro e prata, mas também de madeira e barro; alguns para nobres finalidades, outros para fins desonrosos. (2 Tm 2.19). O grande príncipe dos pregadores, o pastor batista reformado C.H.Spurgeon ilustra bem essa ilusão danosa para alma dentro da igreja visível a partir da negligencia à prática bíblica da oração, afirma ele: “Caso viva sem oração, você é uma alma sem Cristo; sua fé é uma ilusão, e a confiança que resulta dela é um sonho que o destruirá” (Spurgeon-2007). Quantos sonhadores temos hoje...
O que Jesus está dizendo aqui é que não há como se esconder definitivamente em sua comunidade espiritual. Não é possível dentro da igreja militante semear mal para eternidade ( e a semeadura é grande) e isentar-se de assumir responsavelmente as implicações deste ato/vida, que no caso em espécie é a própria negação à felicidade escatológica: caminho que levam à perdição (v-13).
Vários textos na Escritura tratam do juízo final (Mt 19.28; Jo 12.48; Lc 22.30; 2 Tm 4.1; Ap 11.18; 20.12-13, entre outros), do julgamento cósmico. Mas, prefiro, por motivos didáticos utilizar a abordagem que Paulo faz deste em duas cartas, pois, nelas ele destaca o julgamento daqueles que estiveram dentro do âmbito visível da igreja, a primeira é Romanos: 10 Mas, tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, igualmente, por que desprezas teu irmão? Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus. (Rm 14.10). A segunda menção de Paulo a esse juízo dos falsos discípulos dentro da igreja está na segunda carta aos Coríntios: 10 Porquanto, todos nós deveremos comparecer diante do tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba o que merece em retribuição pelas obras praticadas por meio do corpo, quer seja o bem, quer seja o mal. (2 Co 5.10) Grifo meu.
Veja que em ambos os textos Paulo deixa translúcido que ninguém conseguirá se esconder por detrás da arquitetura formal da igreja; mas ao contrário, naquele dia a própria trajetória histórico-existencial destes será o libelo acusatório e todo o mundo saberá quem era discípulo e que aparentava ser, quem era igreja de verdade e quem só parecia ser. Neste ponto penso ser pertinente o comentário de William Hendriksen desse texto: “a porta larga permite entrar com a bolsa e toda a bagagem. A velha natureza pecaminosa — tudo o que ela contém e todos os seus acessórios — pode passar facilmente por ela. É a porta da auto-indulgência. Essa porta é tão ampla que uma multidão enorme e clamorosa pode entrar toda de uma vez e ainda restará muito espaço para outros” (Hendriksen – 2001).Tem espaço ilimitado, não esqueça...
3. Cuidado com ‘a verdade’ da multidão e seu apelo sedutor
Nem sempre a multidão indicará o caminho certo a seguir, para ser bem sincero, em vários casos o caminho justo, santo e correto é o inverso do caminhado pela multidão. Isso é um axioma facilmente provado na História humana. Nessa metáfora da porta e do caminho, porque toda porta leva a um caminho! Jesus denuncia fortemente o lobby pragmático da maioria moral. E nesse movimento expõe igualmente os argumentos da igreja pós-moderna utilizados tácita ou explicitamente para justificar às balizes da sua reivindicação (espúria ao meu ver) de ser a igreja de Cristo na história simplesmente (e ai está a falcatrua) por conta de seu estrondoso crescimento numérico.
Jesus é categórico aqui, nem sempre a multidão vai estar do lado certo ou com a verdade, muito cuidado! É possível que a verdade esteja do outro lado. E por que isso? Bem, a multidão tem uma doentia predileção pela facilidade que é sedutoramente ofertada na porta larga e no caminho espaçoso; e nesses tempos líquidos então!!
Dai que a porta larga e o caminho amplo se tornam um elemento de atração poderosíssimo que certamente atrairá ao longo da trajetória militante da igreja multidões.
Em todos os casos essa é uma advertência muito pertinente para os nossos dias de odiosos reducionismos quanto ao que é ser discípulo de Jesus, rotulado indiscriminadamente de ‘crentes’ e as não menos odiosas, versões da igreja que cabem em cada paladar e gosto como no cardápio de fast food!!!
Portanto, o índice assustador de gente alienada dentro da igreja que fatalmente irá se perder, segundo Jesus é um grito de alerta que precisa ser ouvido e que deve empurrar ao auto-exame imediato. Cuidado com toda essa parafernália litúrgica e metodológica que a igreja institucional apóstata vem trazendo como substituta do poder do Evangelho (esse sim nos torna pessoas realmente melhores e de fato libertas) em nossa mente, coração e vontade. Se abstenha dessa industria do entretenimento que tem invadido nossos cultos, reuniões, evangelismo, discipulado, enfim, forjando uma outra ‘piedade’ detestável para o Santo de Israel. Toda essa metodologia que hoje é chamada de estratégia de crescimento não passa de atalhos para porta larga que abrem portais para os caminhos espaçosos. A grande verdade é que tudo isso no final das contas não subsistirá ao escrutínio divino e serão denunciados como são falsificações ineptas do Evangelho da graça no dia do juízo. SDG.
Rev. Marcus King Barbosa – Psicanalista Clínico, Filósofo da Cultura, Teólogo Reformado, pastor da Igreja Batista Boas Novas e Discípulo de Jesus
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