Pular para o conteúdo principal

Igreja visível uma comunidade mista

 

Jesus como mestre utilizou de vários recursos da linguagem e inúmeros gêneros literários para comunicar com eficiência a sua mensagem de boas-novas (euangélion). Uma desses recursos foi a parábola (mashal), os evangelhos estão saturados de seus uso por parte de Cristo. O que é esse gênero literário? Por que Jesus usava? Qual seu sentido literário? Parábola era um gênero literário um artificio da linguagem que utilizando das situações do dia-dia para comunicar verdades e princípios do reino de Deus. Uma dessas parábolas usadas pedagogicamente por Jesus é a parábola do joio e do trigo (Mt 13.24-30). Nesta Jesus destaca algumas verdade do reino preciosíssimas para consolidar e instruir nossa jornada.

A primeira verdade é de que a igreja até o retorno de Jesus é uma sociedade mista onde está presente falsos e verdadeiros discípulos: “25 Enquanto os servos dormiam, seu inimigo veio, semeou joio no meio do trigo e foi embora.” (v-25). Por mais que empreendamos todos os esforços: ministério de disciplina, ensino doutrinário abrangente, sistema efetivo de discipulado, ainda assim não conseguiremos deixar a igreja isenta de penetrar, impostores e infiltrados. Fato é que os filhos do reino e os filhos do maligno estão presentes na igreja. Ou seja, crescem juntos lado a lado. O próprio Jesus Falou sobre isso: “21 — Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor!” entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. 22 Muitos, naquele dia, vão me dizer: “Senhor, Senhor, nós não profetizamos em seu nome? E em seu nome não expulsamos demônios? E em seu nome não fizemos muitos milagres?” 23 Então lhes direi claramente: “Eu nunca conheci vocês. Afastem-se de mim, vocês que praticam o mal.” (Mt 7.21-23). Segundo R.C. Ryle: O joio sempre será encontrado no meio do trigo. Hipócritas e enganadores se infiltrarão sorrateiramente (Ryle-1991, p.99). Na verdade, esses falsos cristãos, em muitos casos, permaneceram no meio dos verdadeiros cristãos até a consumação de tudo no juízo final: “30 Deixem os dois crescerem juntos até a colheita. Então, direi aos ceifeiros que separem o joio, amarrem-no em feixes e queimem-no e, depois, guardem o trigo no celeiro” (v-30). Agora é claro que o fato de parecer não e ser. Quero dizer com isso que o crente verdadeiro é diferente do crente falso por sua origem e natureza, assim como trigo é diferente no final de joio.

A segunda verdade que se manifesta nessa parábola é que nenhum discípulo é autorizado a arrancar o crente falso, o joio, do crente verdadeiro, o trigo. Por quê? Simples, não temos recursos, autoridade, poder, enfim, para fazer tal tarefa. Estou afirmando que não temos nem condições nem autorização divina para estabelecer esse distinção de modo que seja adequado e sem erros ou injustiças.  A possibilidade de equívocos é absoluta. Apenas o Senhor do Reino, o cabeça da igreja pode fazer isso e ele deixa isso evidente, explicito na parábola: “28 “Um inimigo fez isso’, respondeu o agricultor. “Devemos arrancar o joio?’, perguntaram os servos. 29“‘Não’, respondeu ele. “Se tirarem o joio, pode acontecer de arrancarem também o trigo” (vs-28-29). Comentando isso afirmou Hernandes Dias Lopes: Não temos competência para arrancar o joio do meio do trigo, porque nossos critérios de avaliação são passíveis de erro. Correríamos o perigo de arrancar trigo como se joio fosse. Então, essa separação só acontecerá na segunda vinda de Cristo (Lopes – 2019, p.433). Que discípulo não poderia passar por uma crise tão aguda que parecesse até que não era um discípulo? Lembram de Pedro? De Marcos? Jesus levando isso em consideração adverte que apenas ele no final iria resolver essa questão: “30 Deixem os dois crescerem juntos até a colheita. Então, direi aos ceifeiros que separem o joio, amarrem-no em feixes e queimem-no e, depois, guardem o trigo no celeiro.” (v-30). N.T. Wright escreve: É bem provável que os servos, em seu zelo para terminar com o joio também extermine algum trigo (Wright – 2020, p.205).

Por conta desse sério perigo que Jesus disse que não deveríamos julgar os outros, pois, não somos o juiz, nem poderíamos ser, por isso a Palavra não nos dá essa autorização; ao contrário, nos reprime e direciona a reflexão (Mt 7.1-5). Desse modo devemos aprender com essa parábola que qualquer busca por perfeição que estabeleça uma caça às bruxas dentro da comunidade não passa de distorção do evangelho, do significado da igreja e de quem realmente somos. Devemos ainda aguardar com fé e paciência o tempo (kairos) de Deus para ajuste dessa realidade incomoda e a total transformação total e definitiva do seu reino. SDG.

Rev. Marcus King Barbosa

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

The Divine Self-Revelation and the Work of the Reformed Theologian

  Our activity as public theologians fundamentally depends on theological work. This work, in turn, originates from the hermeneutical perception that God communicates with His moral creation made in His image ( imago Dei ), meaning the understanding that God has spoken to His creation. This speaking is obviously mediated ( Vermittelte ); it does not come to us in a literal divine discourse but is instead unveiled, adapted, and contextualized to our condition as creatures, to our essential limits and frailties—namely, understanding, imagination, and perception. As R.C. Sproul explained: God addresses us on our terms, and because He made us in His image, there is an analogy that provides a means of communication with Him (Sproul - 2017).   This means used by God to reveal Himself to His creation is designated by theology as revelation ( g’lâh, apokalypsis, phanêrosis ). Revelation is, therefore, the way God unveils or reveals Himself (epistemology) to His creation in what i...

Jesus o criador

  Cristo como o filho eterno gerado por Deus/Pai é parte de uma relação divina que foi designada na tradição teológica cristã de a trindade, ou triunidade divina. Nessa correlação dentro da ontologia que inclui o Espírito Santo ( Ruash L’Qadosh ) todos possuem a essência divina ( ousia ) distinta em modos de subsistência ou pessoalidade (personas). Esse entendimento foi bem firmado em um símbolo confessional antigo, o credo de Atanásio e inserido dentro do Livro de Concórdia, documento confessional Luterano: E a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a substância. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só –igual em glória, coeterna em majestade (Livro de Concórdia, São Leopoldo, Porto Alegre, Concórdia/Sinodal, 2023). Vemos também essa confissão de uma visão trinitária de Deus em outro credo confessional, A Fé ...

SOMOS UMA GERAÇÃO DIGNA DE LAMENTO

Penso que somos uma geração que até o momento não provamos do poder real do Evangelho da graça. Não me compreendam mal, não estou dizendo que não temos um conhecimento intelectual e teológico   das doutrinas da graça, não estou também afirmando que não temos milagres, conversões, nem tão pouco estou sugerindo que não temos um grande império religioso com nosso templos abarrotados de fieis. Fazer uma declaração assim seria contrario senso, o que estou tentando delinear é que até então somos uma geração espiritualmente pobre de uma verdadeira experiência com o poder da graça do Deus trino como tornada disponível no Evangelho de Cristo (Tt 2.11-13). Você deve estar indagando por que ele diz isso? E tem toda razão de assim fazê-lo visto que essa é uma declaração ousada e comprometedora pelo seu conteúdo. Então por que estou fazendo isso? Bem minha afirmação não é arbitrária, mas resultado de uma reflexão madura e profunda do próprio Evangelho como quando confrontado com a prá...