A
relação de Deus com sua criação moral, espiritual sempre se deu por meio de
alianças (berith, diathêkê). Nenhum tipo de relacionamento entre
Deu e o homem acontece no âmbito relacional fora desse paradigma aliancista.
Sobre isso O. Palmer Robertson tem uma palavra preciosa:
O
elemento formalizador essencial para o estabelecimento de todas as alianças
divinas na Escritura é uma declaração verbalizada do caráter do vínculo que
está sendo estabelecido. Deus fala para estabelecer seu pacto. Fala
graciosamente ao comprometer-se com as suas criaturas e ao declarar a base
sobre a qual se relacionará com a sua criação (Robertson - 2002).
Essa
formatação acompanhou desde a criação do homem a imagem divina (imago Dei)
até o momento da reestrutura da relação após a queda, onde esse pacto
criacional (Gn 3), necessitou de uma nova reconfiguração, ou seja, um novo
pacto. Esse novo relacionamento aliancista se dá por meio de dois eixos estruturante,
o pacto da redenção entre as pessoas da trindade em relação a salvação da raça
e o pacto da graça onde a salvação é oferecida incondicionalmente como um dom
divino recebida por meio da fé no Evangelho e todas as suas implicações. (Gn 3.16,
21). Esse pacto da graça é inicialmente profetizado em figura no antigo
testamento (Gn 3.16, 21, entre outros) e vai ganhando papel de relevo e
elucidação no novo testamento (Ef 2.1-3,8, entre outros). Escrevendo acerca da
necessidade de um novo pacto após a queda para redefinir a relação existencial
entre Deus e a humanidade, agora caída salientou A.A. Hodge:
E
se Deus intervém a fim de salvar os homens, então deve fazer isso sob um plano
definido e certas condições definitivamente proclamadas e acuradamente
cumpridas. Isto é, deve-se introduzir um novo pacto, restituindo a vida
alcançável para os que devem ser salvos sob diferentes condições daquelas
oferecidas na constituição precedente (Hodge – 1999).
Daí
que esse novo arranjo relacional ganhou relevo na encarnação do verbo divino
(Jo 1.1-4). Agora é necessário indagar, Jesus estabelece uma nova aliança (kainê
diathêkê), mas essa nova aliança representa uma ruptura com a aliança
desde Adão? Ou ela é a plenitude e realização definitiva dessa aliança
redentiva estabelecida com a trindade divina para redimir e salvar a
humanidade? Sim, a nova aliança não é uma pulverização da aliança que se
estabelece logo após a queda do homem, chamada de aliança da graça, mas é sua
feição plena e definitiva. Jesus é o fiador de uma aliança que comporta
toda a plenitude da redenção presente em vários modos de existir históricos da
aliança até seu projeto final (Gn 6.18; 9.11; 17.7; Êx 2.24; Dt 4.13; Is 55.3;
Os 6.7; Gl 3.15,17, entre outros). Sobre essa nova aliança escreveu John Owen: A
promessa graciosa, livre e imutável de Deus, feita a todos os seus eleitos
caídos em Adão, de lhes dar Jesus Cristo e, em Jesus Cristo, lhes dar
misericórdia, perdão, graça e glória (Owen-1855).
Entendendo
isso, podemos destacar algumas características da nova aliança que estão
presentes dentro da estrutura revelacional do novo testamento. E que a nível de
economia pedagógica queria tomar como referência expositiva o capítulo 10 da
carta aos Hebreus 10.12-18.
O
sacrifício definitivo
A
primeira características que o autor já nos apresenta é que a nova aliança
representa um sacrifício definitivo estabelecido por Deus na mediação de seu
filho na condição ambígua de sumosacerdote e o próprio sacrifício. Esse sacrifício
que na velha estrutura era contínuo repetindo-se ad perpetum, em Cristo é
ofertado apenas uma vez com eficácia ek tunc, ou seja, com feito retroativo para
todos nossos pecados: “Sumo Sacerdote, porém, ofereceu a si mesmo como
único sacrifício pelos pecados, válido para sempre. Então, sentou-se no lugar
de honra à direita de Deus 13 e ali aguarda até que todos os seus inimigos
sejam humilhados e postos debaixo de seus pés. 14 Porque, mediante essa única
oferta, ele tornou perfeitos para sempre os que estão sendo santificados”
(Hb 10. 12,14). Aqui fica límpido a verdade teológica de que a estrutura
sacrificial do antigo testamento, os sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes
apontavam para o sacrifício de Cristo. Eram sombras, representações e figuras
terrenas, mas não a própria realidade. Prepararam o seu caminho, mas não eram
sua consumação (Hb 10.1). Por isso, era necessário que Jesus, homem, elemento
da própria humanidade fosse o representante desse novo pacto. Essa foi a
percepção do erudito do antigo testamento Eugene H. Merrill: “Embora os
animais servissem como sacrifício provisório por pecados humanos durante a era
do AT, eles não podiam finalmente fazer expiação por seres humanos, a
humanidade precisa de um representante dentre os próprios seres humanos” (Merrill
- 2018). Jesus deixa essa sua condição bem explícita dentro da tradição tanto de
Mateus como paulina, primeiro o próprio Cristo: “28 porque este é o meu
sangue, que confirma a aliança. Ele é derramado como sacrifício para perdoar os
pecados de muitos (Mt 26.28). Paulo recebendo como tradição oral
inspirada (parabasis) inseri em sua carta (1 Co 11.25).
Portanto,
embora os sacrifícios de animais tenham desempenhado o papel provisório para
expiação de pecados humanos durante a era do antigo testamento, é crucial
compreender que eles não tinham a capacidade final de realizar uma expiação
completa em favor dos seres humanos. Na verdade, a humanidade carece de um
representante genuíno de sua própria espécie para cumprir essa função
redentora.
Dessa
maneira, a estrutura sacrificial da antiga aliança era tipológica e temporária,
agindo como um meio de purificação ritual e uma demonstração da seriedade do
pecado diante de Deus. No entanto, a limitação desses sacrifícios residia no
fato de que eles não podiam efetivamente remover permanentemente a culpa e
restaurar a relação quebrada entre Deus e a humanidade carecendo de um
substituto que pudesse realizar essa tarefa de modo completo. Dito de outra
forma, a solução definitiva para a questão da expiação e reconciliação exigia
um representante genuíno da raça humana. Essa verdade teológica e revelacional
é indisputável, somente através de um ser humano, alguém que compartilhasse
plenamente a condição humana, poderia a expiação ser alcançada de maneira plena
e eficaz. Esse representante humano, como entendido pela revelação do novo
Testamento, é Cristo, que, por meio de seu sacrifício, ofereceu uma expiação
perfeita e eterna pelos pecados da humanidade.
O CEO
da nova aliança
Em
segundo lugar a nova aliança é efetivada em sua estrutura
consumada por meio da execução do Espírito Santo que possui essa função de CEO
dessa nova engenharia pactual. Esse é um trabalho transformador do Espírito
Santo que desde o interior do homem arrependido se desenvolve para sua
realidade existencial e relacional durando toda sua vida: “15 E disto nos
dá testemunho também o Espírito Santo. Porque, após ter dito: 16 “Esta é a aliança
que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Imprimirei as minhas
leis no coração deles e as inscreverei sobre a sua mente” (Hb 10.15-16).
Vejam que a nova aliança não importa apena em uma transação formal,
ritualística e legal, mas em uma profunda alteração da personalidade, dos
sentimentos, emoções e escolha do homem. O Espírito estabelece isso usando a
profecia do profeta Jeremias (Jr 31.31-34). Mas não é apenas nesse profeta (navi)
que esse caráter transformador da nova aliança é assinalado. Ezequiel também
destaca essa ingerência: “27 Porei dentro de vocês o meu Espírito e
farei com que andem nos meus estatutos, guardem e observem os meus juízos
(Ezequiel 36.25-27). Essa obra do Espírito na nova aliança é indispensável para
a santificação e perseverança do discípulo como vemos sendo afirmada no profeta,
sem ela não temos como viver a realidade dos valores (éthos) e da
própria ética anunciada por Jesus impositiva para seus seguidores (Mt 5.1-7.29).
Hernandes Dias Lopes assinala essa correlação entre a nova aliança no poder do
Espírito e um novo viver: O Espírito Santo, o autor último das Escrituras,
mostra que, em virtude do sacrifício de Cristo, uma nova aliança foi firmada em
seu sangue, trazendo para o seu povo uma mudança interior e o perdão pleno de
seus pecados (Lopes – 2019).
Desse
modo, o
Espírito Santo, sendo reconhecido como o autor último das Escrituras, destaca
que a consumação da obra redentora de Cristo resultou na instituição de uma
nova aliança, selada pelo seu precioso sangue. Nesse contexto, essa aliança não
apenas representa um pacto formal, mas também inaugura uma profunda
transformação da identidade daqueles que a aceitam (Gl 5.22-25). Isso é, através
do sacrifício de Cristo, essa aliança não é apenas um acordo externo, mas uma
conexão íntima entre Deus e seu povo. O Espírito Santo age como o agente
capacitador dessa nova aliança, guiando, consolando e transformando os corações
daqueles que se submetem a ela.
Um
perdão de alto relevo
Em
terceiro lugar a nova aliança é impõe o perdão total, pleno dos pecados, tornando
nulos e sem eficiências todos e quaisquer sacrifícios ou rituais e doutrinamentos
como, por exemplo, a maldição hereditária na vida de crentes, que ensinem ou
proponha qualquer aperfeiçoamento, ou complemento nessa obra sacrificial e
redentora de Jesus que estabeleceu o pleno perdão divino: “17 acrescenta:
“Também dos seus pecados e das suas iniquidades jamais me lembrarei.” 18 Ora,
onde há remissão de pecados, não existe mais necessidade de sacrifício pelo
pecado.” (Hb 10.17-18). Na verdade, a nova aliança não apenas impõe,
mas celebra e assegura o perdão total e pleno dos pecados. O texto em
consideração destaca a magnitude dessa realidade ao afirmar que ela torna nulos
e sem eficácia qualquer forma de sacrifício, ritual ou doutrinamento que busque
oferecer aperfeiçoamento ou complemento à obra sacerdotal de Jesus.
De
fato, a ênfase recai sobre a completa suficiência da obra realizada por
meio da nova aliança, que encontra seu ápice na morte expiativa, sacrificial de
Cristo. O perdão oferecido não é parcial nem condicional, mas abrange de forma totalitária
e irrevogável os pecados daqueles que se submetem a essa aliança. Assim,
qualquer tentativa de introduzir elementos adicionais para a obtenção da
redenção é declarada perversão dessa obra divina. O autor de Hebreus nos traz
mais uma contribuição: “28 assim também Cristo foi oferecido em
sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitas pessoas; e aparecerá
segunda vez, não mais para eximir o pecado, mas para brindar salvação a todos
que o aguardam!” (Hb 9.28).
Outrossim, segundo o
autor inspirado a nova aliança declara que Deus não apenas perdoa, mas também
esquece os pecados, proporcionando uma reconciliação completa entre ele e o ser
humano. Essa é uma distinção vital, pedagógica e epistemológica em relação ao
perdão relativo presente nos rituais expiativos da antiga aliança, que eram
repetidos regularmente, indicando a insuficiência intrínseca dessas práticas
para remover totalmente a culpa e restaurar a comunhão perdida.
Em última análise, a
mensagem é clara: a nova aliança estabelecida em Cristo é plena em sua eficácia
redentora, eliminando a necessidade de quaisquer complementos ou
aprimoramentos. Aqueles que se apropriam dessa aliança desfrutam do perdão
completo e definitivo, experimentando uma liberdade que vai além de qualquer
sistema de sacrifícios ou rituais humanos. Sobre isso comentou F.F. Bruce:
A nova
aliança, de acordo com a profecia de Jeremias, não somente envolvia a
implantação da leis de Deus, em combinação com a vontade e o poder para
coloca-las em prática, no coração do seu povo; ela também transmitia a certeza
de que os seus pecados e iniquidades passados seriam eternamente apagados do
registro de Deus para nunca mais serem levantados como evidências contra eles
(Bruce-2023).
Portanto, a nova
aliança, ratificada através do sacrifício redentor de Cristo, representa a
culminação da graça divina, oferecendo perdão total e pleno dos pecados. Este
pacto transcende a necessidade de rituais, complementos ou qualquer coisa adicional,
pois a obra de Cristo é suficiente e final.
Assim, a jornada da
redenção é marcada pela aceitação dessa aliança e pela compreensão de que, em
Cristo, encontramos a plenitude da restauração da comunhão divina. Nessa nova
aliança, a graça triunfa, e a busca por aperfeiçoamento humano é substituída
pela confiança na obra consumada de Cristo, oferecendo uma esperança segura e
uma paz real, profunda e completa que ultrapassam todo entendimento, visto que
se fundamenta na justiça imputada de Jesus por nós (Rm 5.1). SDG.
Rev. Marcus King
Barbosa
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