Pular para o conteúdo principal

Quando nos aproximamos erradamente de Jesus mas somos transformados por ele

 

Ter uma relação adequada com Jesus é crucial para se viver as realidades redentivas da nova aliança (kainê diathêkê). Entretanto, é possível em meio a um conjunto de conjunturas se está próximo de Cristo, mas, mesmo assim, não conseguir realmente ser salvo. Temos vários personagens que viveram esse dilema existencial terrível, um desses que poderíamos utilizar como exemplo é o Jovem rico (Mt 19.16-30). Porém, o personagem que quero tratar desse assunto é Maria Magdalena. Ali vemos alguém que se aproxima inicialmente de Jesus, mas sem efetividade, muitos também cometem esse equívoco, claro que no caso de Maria, Jesus alterou essa realidade funesta.

 

1.    Quando nos aproximamos por via das emoções fora de seu lugar

 

Pode parecer estranho isso porque fica parecendo que as emoções não são necessárias na salvação e na própria relação com Jesus, são sim, mas no local indicado para elas, qual esse lugar? Sendo uma motivação e combustível para a verdade do Evangelho em Cristo que entra como vida espiritual (zõê) em nossa interioridade, primeiramente no recinto de nossa mentalidade (phronêma) e daí se estendendo para os outros âmbitos de nossa identidade: emoções, sentimentos, decisões.

O problema é que quando respondemos a presença de Jesus por via das emoções nós paralisamos e desabilitamos nossa percepção, nossa consciência e mentalidade e acabamos perdendo algo precioso nessa interação: “11 Por outro lado, Maria continuava do lado de fora do sepulcro, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se, para olhar dentro do sepulcro, 12 e viu dois anjos vestidos de branco, sentados onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. 13 Então os anjos perguntaram: “Mulher, por que choras?” Ela lhes respondeu: “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o colocaram.” (Jo 20.11-13). Veja que Maria, por conta de seu estado emocional abalado não conseguiu perceber a realidade extraordinária que ela estava envolta. Maria não viu a  presença dos anjos (mal’ak), e isso por conta de seu entendimento está embotado pelas emoções e sentimentos conturbados . Entenda isso, a mente precisa vir em primeiro lugar que o coração, mas o Redentor salvos ambos. Porém, Maria estava perceptivamente desabilitada por causa de sua condição emocional para ver aquele momento tão sublime, é como disse J.C. Ryle: As lágrimas e a ansiedade de Maria Madalena eram desnecessárias. Assim como Hagar no deserto, ele tinha uma fonte de água ao seu lado, mas não podia vê-la (Ryle- 2000). Não é sem motivo que Salomão adverte que devemos guardar com assertividade nosso coração que era o termo antigo para falar de emoções e sentimentos: “23 Acima de todas as coisas, guarde seu coração, pois ele dirige o rumo de sua vida.” (Pv 4.23). Se não guardamos bem nossos sentimentos e emoções iremos perder uma visão completa e clara da vida espiritual, do próprio Jesus, assim como estava ocorrendo com Maria Magdalena.

 

2.    Quando estamos esperando outra pessoa

 

Notem que a compreensão de Maria estava saturada pela narrativa de Jesus na sua humanidade, notadamente no contexto de sua morte. Maria procurava um defunto, um cadáver que tinha sido roubado. Sua percepção estava encoberta por essa névoa densa, turva. O Jesus que que Maria queria achar era um constructo ideológico: “14 Assim que disse isso, olhou para trás e viu Jesus em pé, mas não reconheceu que era Ele. 15 E Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que estás chorando? A quem procuras?” Maria, imaginando que fosse o jardineiro, rogou-lhe: “Se tu o tiraste daqui, dize-me onde o colocaste, e eu o levarei.” (Jo 20.14-15). Notem que João deixa claro no seu Evangelho que ela não sabia quem realmente estava falando (hêdai hóti esti), ou seja, que era Cristo falando com ela. De fato, muita gente não tem experimentado salvação porque busca um Jesus ideológico, estereotipado por nossas demandas perceptivas, nossos equívocos cosmovisionais; isto é, de leituras hermenêuticas distintas. A multidão tem se alienado nesses personagens que nada tem a ver com o Cristo ressurreto, Senhor nosso, que venceu a morte e glorificado habita com o Pai em total glória e que continua intercedendo por nós como o Evangelho nos apresenta (Rm 8.34-35; Hb 7.25). Sobre o significado dessa intercessão de Cristo destacou R.C. Sproul: A vida e o sacerdócio eterno de Jesus tornam possível sua eterna intercessão pelo adoradores, levando à completa e eterna salvação (Sproul – 2001). Esse Cristo genérico, diluído, palatável a nossa cultura líquida, que pauta essas comunidades pós-cristãs, alguns chamavam emergentes, não tem recursos para salvar realmente. Eugene H. Peterson destacou esse caminho de perver-são que a cultura pode fazer em relação a espiritualidade que a afasta da realidade bíblica: Exposta a uma cultura que não hesita em fornecer os termos do discurso, a espiritualidade é diluída ou esvaziada de toda peculiaridade do evangelho (Peterson - 2005).

Portanto, Aquele Jesus procurado por Maria não a salvaria, da mesma forma um Jesus afastado do querigma do Evangelho, presente na manifestação da revelação do Cristo (die Offenbarung Christi) não salvará de verdade.

 

3.    Por meio de sua Palavra Jesus corrige dessa condição

 

Ficou claro como é possível se aproximar de Jesus sem eficácia salvífica, mas como Jesus resolveu essa situação de Maria? Qual o método divino para que nossa relação com Cristo seja adequada? Para responder a essas indagações é necessário compreender qual a metodologia usada para tornar a salvação experimental. Bem, segundo a Escritura esses métodos executivos são o Espírito, a fé e a Palavra. O Espírito como o agente executivo usa o poder da Palavra que nos atingi salvadoramente por meio da fé.

Percebam como Cristo fala com Maria de forma poderosa, pessoal que ela de imediato o reconhece, a névoa vai embora e ela consegue enxergar o Senhor em sua realidade: “16 Então Jesus a chamou: “Mariâm!” Ela, voltando-se, exclamou também em aramaico: “Rabôni!” (que quer dizer Mestre). 17 Recomendou-lhe Jesus: “Não me segures, pois ainda não voltei para o Pai. Mas vai, e ao encontrar meus irmãos, dize-lhes assim: ‘estou ascendendo ao meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus’.” 18 E assim foi Maria Madalena e anunciou aos discípulos: “Eu vi o Senhor!” E contou-lhes tudo o que o Senhor lhe dissera.” (Jo 20.16-18). Veja, agora aquela que estava procurando um Jesus morto, sai pregando em todos os pulmões que viu o Senhor ressurreto (eõrake tòn kúrion). Tudo isso foi fruto do poder explosivo, espiritual, eficaz da Palavra como meio de graça: “12 Pois a palavra de Deus é viva e poderosa. É mais cortante que qualquer espada de dois gumes, penetrando entre a alma e o espírito, entre a junta e a medula, e trazendo à luz até os pensamentos e desejos mais íntimos. 13 Nada, em toda a criação, está escondido de Deus. Tudo está descoberto e exposto diante de seus olhos, e é a ele que prestamos contas.” (Hb 4.12-13). A Palavra em sua penetração em nosso ser-em-si é como um espelho que expõe todo o conteúdo que nos define como seres caídos, nos apresentando como um fragrante diante do Eterno. Ela é como um fogo incandescente que derrete nosso coração, um pedra granitica que arrebenta com nossas defesas, desculpas e trincheiras (Jr 23.28-30). Na verdade, sem essa Palavra soprada por Deus (2 Tm 3.16-17) não haverá real maturidade espiritual nos discípulos, pior, sem ela, a própria fé não consegue ser gerada dentro de nosso interior: “17 E, assim, a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo.” (Rm 10.17). tratando desse tema afirmou Thomas R. Schreiner: Somente se pode chegar à fé por meio da palavra, isto é, por ouvir o evangelho, e a mensagem específica que deve ser ouvida é a palavra de Cristo – a boas-novas sobre Jesus Cristo, o Salvador crucificado e ressurreto (Schreiner – 2016).

Portanto, Maria Magdalena é uma grande ilustração para um tipo de relacionamento ilusório e destituído de realidade relacional. É estar dentro do âmbito de proximidade com o messias, mas sem poder tocá-lo salvadoramente. Por outro lado, ela também ilustra como Deus por meio de sua Palavra pode estabelecer uma relação real que expurgue tudo que é puramente religioso e ideológico e afirme uma conexão orgânica, espiritual e linearmente transformadora. Que possamos ter uma relação real, autêntica e existencial com nosso messias e Senhor. SDG.

Rev. Marcus King Barbosa

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

The Divine Self-Revelation and the Work of the Reformed Theologian

  Our activity as public theologians fundamentally depends on theological work. This work, in turn, originates from the hermeneutical perception that God communicates with His moral creation made in His image ( imago Dei ), meaning the understanding that God has spoken to His creation. This speaking is obviously mediated ( Vermittelte ); it does not come to us in a literal divine discourse but is instead unveiled, adapted, and contextualized to our condition as creatures, to our essential limits and frailties—namely, understanding, imagination, and perception. As R.C. Sproul explained: God addresses us on our terms, and because He made us in His image, there is an analogy that provides a means of communication with Him (Sproul - 2017).   This means used by God to reveal Himself to His creation is designated by theology as revelation ( g’lâh, apokalypsis, phanêrosis ). Revelation is, therefore, the way God unveils or reveals Himself (epistemology) to His creation in what i...

Jesus o criador

  Cristo como o filho eterno gerado por Deus/Pai é parte de uma relação divina que foi designada na tradição teológica cristã de a trindade, ou triunidade divina. Nessa correlação dentro da ontologia que inclui o Espírito Santo ( Ruash L’Qadosh ) todos possuem a essência divina ( ousia ) distinta em modos de subsistência ou pessoalidade (personas). Esse entendimento foi bem firmado em um símbolo confessional antigo, o credo de Atanásio e inserido dentro do Livro de Concórdia, documento confessional Luterano: E a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a substância. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só –igual em glória, coeterna em majestade (Livro de Concórdia, São Leopoldo, Porto Alegre, Concórdia/Sinodal, 2023). Vemos também essa confissão de uma visão trinitária de Deus em outro credo confessional, A Fé ...

SOMOS UMA GERAÇÃO DIGNA DE LAMENTO

Penso que somos uma geração que até o momento não provamos do poder real do Evangelho da graça. Não me compreendam mal, não estou dizendo que não temos um conhecimento intelectual e teológico   das doutrinas da graça, não estou também afirmando que não temos milagres, conversões, nem tão pouco estou sugerindo que não temos um grande império religioso com nosso templos abarrotados de fieis. Fazer uma declaração assim seria contrario senso, o que estou tentando delinear é que até então somos uma geração espiritualmente pobre de uma verdadeira experiência com o poder da graça do Deus trino como tornada disponível no Evangelho de Cristo (Tt 2.11-13). Você deve estar indagando por que ele diz isso? E tem toda razão de assim fazê-lo visto que essa é uma declaração ousada e comprometedora pelo seu conteúdo. Então por que estou fazendo isso? Bem minha afirmação não é arbitrária, mas resultado de uma reflexão madura e profunda do próprio Evangelho como quando confrontado com a prá...